O Verão é um lugar do espírito para onde as quatro estações do ano se encaminham sem cessar. Nesse lugar que fica fora do calendário, esperamos pelo rumor de um outro espaço que esteja fora do tempo. Assim sendo, quem conta como se passou o momento mais próximo do desejo de Verão, que vai na nossa alma? Quem quer contar? Estamos na varanda do Hotel Faro, e já agora eu posso dar início à embaraçosa conversa, não tenho nada a perder.
O meu dia de Verão mais próximo desse momento revelador poderia ser outro, mas diante da ria Formosa, escondida no escuro da noite, só pode ser aquele em que subi a um cataramã com 12 pessoas, e fomos de esteiro em esteiro, e de sapal em sapal, até atingirmos a ilha do Farol. Assim, invoquei o melhor que pude o voo das aves, o cheiro a lodo, o borbulhar das espécies bivalves, e, depois de me desembaraçar desse campo de fertilidade, ataquei a descrição da Deserta, quando o Estaminé ainda estava em construção, e já então parecia o cenário ideal onde rodar um filme que se chamasse "Destino".
Mas outras narrativas iriam ser diferentes. Até que certa pessoa se levantou no meio da varanda e disse que o seu momento precioso tinha ocorrido em Veneza. Fora durante um simpósio sobre os espaços húmidos da Terra, a maternidade das espécies. O especialista disse que havia sido o Verão mais feliz da sua vida porque tinha defendido que certas formações lacustres, como a ria Formosa, deveriam ser vedadas à espécie humana e um terço dos seus colegas havia-o compreendido. Pois que direito tinham as pessoas de estragar o ambiente dos pássaros? Que direito temos de destruir o cavalo-marinho, o pobre dizimado? Aquele que deveria ser para Portugal o que a flor Edelweiss é para os Alpes? Que direito o de impedir a oxigenação das águas pela atracagem dos barcos, que direito o de conspurcarmos o seu habitat? Que direito teríamos nós de entrar na maternidade das espécies para destruirmos os seus úteros e os seus berços? Disse que, se acaso Cousteau regressasse às pradarias aquáticas da ria, não as reconheceria. Pensaria que uma guerra cósmica havia acontecido no fundo dos lagos.
Fez-se um enorme silêncio. Era de noite, a hora da verdade. Não acredito que tenhamos nascido unidos para viver separados. Em vez de me proibirem o acesso, expliquem-me como e por onde entrar.
Mas outras narrativas iriam ser diferentes. Até que certa pessoa se levantou no meio da varanda e disse que o seu momento precioso tinha ocorrido em Veneza. Fora durante um simpósio sobre os espaços húmidos da Terra, a maternidade das espécies. O especialista disse que havia sido o Verão mais feliz da sua vida porque tinha defendido que certas formações lacustres, como a ria Formosa, deveriam ser vedadas à espécie humana e um terço dos seus colegas havia-o compreendido. Pois que direito tinham as pessoas de estragar o ambiente dos pássaros? Que direito temos de destruir o cavalo-marinho, o pobre dizimado? Aquele que deveria ser para Portugal o que a flor Edelweiss é para os Alpes? Que direito o de impedir a oxigenação das águas pela atracagem dos barcos, que direito o de conspurcarmos o seu habitat? Que direito teríamos nós de entrar na maternidade das espécies para destruirmos os seus úteros e os seus berços? Disse que, se acaso Cousteau regressasse às pradarias aquáticas da ria, não as reconheceria. Pensaria que uma guerra cósmica havia acontecido no fundo dos lagos.
Fez-se um enorme silêncio. Era de noite, a hora da verdade. Não acredito que tenhamos nascido unidos para viver separados. Em vez de me proibirem o acesso, expliquem-me como e por onde entrar.
Lídia Jorge (texto com supressões)
http://www.youtube.com/watch?v=dnCC0dMNUvE
http://www.youtube.com/watch?v=dnCC0dMNUvE