domingo, 25 de janeiro de 2015
Cidade
Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.
Sophia de Mello Breyner Andresen
https://www.youtube.com/watch?v=X7RBbSBKsN8
domingo, 18 de janeiro de 2015
Soneto
Formoso Tejo meu, quão diferente
Te vejo e vi, me vês agora e viste:
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Claro te vi eu já, tu a mim contente.
A ti foi-te trocando a grossa enchente
A quem teu largo campo não resiste;
A mim trocou-me a vista em que consiste
O meu viver contente ou descontente.
Já que somos no mal participantes,
Sejamo-lo no bem. Oh! quem me dera
Que fôramos em tudo semelhantes!
Mas lá virá a fresca Primavera:
Tu tornarás a ser quem eras de antes,
Eu não sei se serei quem de antes era.
Francisco Rodrigues Lobo
https://www.youtube.com/watch?v=TP4BnfUm0eI
segunda-feira, 12 de janeiro de 2015
O Portugal Futuro
O Portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
Portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a Espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o Portugal futuro
Ruy Belo
sábado, 3 de janeiro de 2015
Visita
Velha terra nativa, agasalhada
Num cobertor de neve, a lã dos pobres:
Nem o rosto descobres
À chegada dum filho!
Saúda-me o negrilho,
Mas despido, sem folhas, como eu ando.
E toda a minha pobre humanidade
Se deseja aquecer à intimidade
Duma lareira de carinho brando...
Miguel Torga
https://www.youtube.com/watch?v=TuubygkN4h4
Assinar:
Postagens (Atom)