e o vento soprava nas frestas das portas e das janelas
da varanda, a senhora de vestido de flores
mexia devagar o chá que arrefecia, e nem
se dava conta de que a mão que fazia o gesto de mexer
o chá seguia o erguer dessa onda que se fez mais
lenta para que ela não parasse o movimento
do braço, e os dedos segurassem com mais
força a colher. Talvez um piano, escondido
na sua cabeça, seguisse o ritmo desses dedos
que eu via, do meu canto, encostado à porta que
o vento insistia em abrir para chegar até
à mesa onde a senhora se sentava, e agitar
o vestido até que as flores se desfizessem,
deixando cair as pétalas na chávena
de chá de onde ela tirou a colher, para
beber o seu chá de flores olhando para
as ondas que rebentam na linha da praia.
Nuno Júdice
(pintura de Noronha da Costa)
https://www.youtube.com/watch?v=eHD4aoczDMk