Pois ali está, no meio da noite, a Lua. É mesmo um lago de
prata, com vagas sombras cinzentas — sombras de árvores, de barcos, de aves
aquáticas... O céu está muito límpido, e é puro o brilho das estrelas. Mas em
breve se produzirá o eclipse.
E, então, pouco a pouco, o luminoso contorno vai sendo perturbado
pela escuridão. A Terra, esta nossa misteriosa morada, vai projetando sua
forma naquele redondo espelho. Muito lentamente sobe a mancha negra sobre
aquela cintilante claridade. É mesmo um dragão de trevas que vai calmamente
bebendo aquela água tão clara; devorando, pétala por pétala, aquela flor
tranquila.
E o globo da Lua, num dado momento, parece roxo, sanguíneo, como
um vaso de sangue. Que singular metamorfose, e que triste símbolo! Ali vemos a
Terra, melancolicamente reproduzida na apagada limpidez da Lua. Ali estamos,
com estas lutas, estes males, ambições, cólera, sangue. Ali estamos projetados!
E poderíamos pensar, um momento, na sombra amarga que somos. Sombra imensa.
Mancha sanguínea. (Por que insistimos em ser assim?)
Ah! — mas o eclipse passa. Recupera-se a Lua, mais brilhante do que nunca. Parece até purificada.(Brilharemos um dia também com o maior brilho? Perderemos para sempre este peso de treva?)
Ah! — mas o eclipse passa. Recupera-se a Lua, mais brilhante do que nunca. Parece até purificada.(Brilharemos um dia também com o maior brilho? Perderemos para sempre este peso de treva?)
Cecília Meirelles
(pintura de António Bandeira)
https://www.youtube.com/watch?v=tLCCzTPJ0-g
(pintura de António Bandeira)