Convinha perguntar como viveu Manuel Mena aqueles meses de angústia crescente. O que fez, o que pensou, o que sentiu enquanto a sua terra e o país se partiam em duas metades, possuídas por um mesmo ódio.
Manuel Mena não passou em Ibahernando o ano anterior à guerra. Passou-o em Cáceres, onde frequentou o último ano do secundário. Vivia no Arco de Espanha, junto à praça Mayor, em casa de um sargento da Guarda Civil que fizera amizade com a família quando dirigia a esquadra de Ibahernando. Manuel Mena quase não deixara verdadeiros amigos na povoação, porque os seus novos interesses de adolescente o afastaram dos relacionamentos da infância. Mas visitava frequentemente a vila para ver a mãe e os irmãos e não há dúvida de que estava ao corrente da situação explosiva por que passava Ibahernando que era mutatis mutandis, a situação explosiva por que passava o país; também não há dúvida de que estava ao corrente dos receios da família e da curta passagem pela prisão do seu irmão Juan. Dedicou aquele ano lectivo de 1935/36 exclusivamente aos estudos ou, apesar do gosto e do seu interesse por eles e da consciência de que não podia descurá-los, a politização geral do país levou-o também a politizar-se? Não há dúvida de que durante a guerra, ou durante a maior parte dela, Manuel Mena foi um falangista convicto - um falangista muito mais falangista que franquista, supondo que realmente fosse franquista -, mas sê-lo-ia também antes da guerra? Ou tornou-se falangista ao começar da guerra, como a maior parte dos falangistas?
É impossível responder a essas questões. No início de 1936 a Falange em Espanha era um partido muito minoritário. O partido como tal não existia em Ibahernando e os seus candidatos nacionais nunca obtiverem aí um único voto. Mas nada disto significa que em Cáceres Manuel Mena não fosse atraído pelo idealismo romântico e antiliberal, pelo radicalismo juvenil, pela vitalidade irracionalista, pelo entusiasmo da liderança carismática e pela forte influência dqquela ideologia tão na moda em toda a Europa. Pelo contrário. A Falange era um partido que com a sua vocação antissistema, o seu prestígio jovial de novidade absoluta, a sua recusa em aceitar a distinção tradicional entre direita e esquerda, a sua proposta de uma síntese que superasse ambas, o seu perfeito caos ideológico, a sua demagogia cativante, parecia feito de propósito para atrair um estudante acabado de sair da sua povoação (...)
Javier Cercas