terça-feira, 9 de novembro de 2010

Amor


Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, descobria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia o que fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina e urgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha intensa, e mais tarde as noites trocavam-se e no meio o que existia agora era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.

Herberto Helder
http://www.youtube.com/watch?v=w8bk9_nzLcM

Um comentário:

  1. Ah o Amor, sempre o Amor, seja qual for o contexto...
    Não conheço este escritor mas, ao ler estas frases apetece-me parafrasear o que algém já disse :
    P - Qual a diferença entre ficção e realidade ?
    R - A ficção tem de fazer sentido!
    E certamente fará, seja na continuação da leitura ou tão somente através da nossa imaginação.

    Beijinho

    ResponderExcluir