A toalha de mesa era nova e só se usava nesses almoços ao domingo. Havia uma garrafa de laranjada de vidro grosso ao centro da mesa, ao lado do vinho.
Nesses dias, não faltava sol no quintal. Agora, parece-me que eram sempre domingos de uma primavera em que já se imaginava o verão. E as galinhas debatiam um assunto calmo na capoeira, as coelhas ameigavam os filhos na coelheira, os pombos atiravam-se em voos desde o pombal. A claridade desse tempo entrava pela janela e pousava sobre a mesa posta, a melhor terrina com canja, os melhores copos, os guardanapos dos dias de festa. A televisão a cores brilhava. Estava ligada e não importa o que estivesse a dar. Eu tinha entre seis e quinze anos (1980-1987).
Depois, chegou uma altura em que essa toalha de mesa, já mais desbotada, começou a ser usada nas refeições dos dias de semana. Lavada muitas vezes, tornou-se mais suave ao toque. Ganhou nódoas que já não saíam e, um dia, tornou-se demasiado velha até para esse uso. Então, a minha mãe rasgou-a e transformou-a num esfregão. Agora, até esse dia é remoto. Até o dia em que a minha mãe decidiu pôr o esfregão no lixo é remoto.
Esses almoços de domingo moldaram a minha vida.
Tenho a idade que os meus pais tinham durante esses almoços e pergunto-me se eles olhariam para mim da mesma maneira que eu, agora, olho para os meus filhos.
Talvez os meus pais já fossem capazes de imaginar este momento, eu crescido, estas crianças à mesa, a minha mãe com setenta anos e o meu pai sem estar cá.
Chego a casa de uma das minhas irmãs. A televisão está ligada num dos canais de desenhos animados. As vozes fingidas dos bonecos misturam-se com as nossas vozes, reais, a dizerem palavras que, para mim, com trinta e oito anos, são demasiado nítidas.
Sinto-me culpado. Diante de todas as escolhas, como diante de cruzamentos, quando escolhi caminhos que me afastavam dos almoços de domingo, senti-me sempre culpado. Os almoços nunca são na minha casa. Não tenho casa para almoços de domingo.
José Luís Peixoto
http://www.youtube.com/watch?v=WDWq5I-Znkk
Talvez os meus pais já fossem capazes de imaginar este momento, eu crescido, estas crianças à mesa, a minha mãe com setenta anos e o meu pai sem estar cá.
Chego a casa de uma das minhas irmãs. A televisão está ligada num dos canais de desenhos animados. As vozes fingidas dos bonecos misturam-se com as nossas vozes, reais, a dizerem palavras que, para mim, com trinta e oito anos, são demasiado nítidas.
Sinto-me culpado. Diante de todas as escolhas, como diante de cruzamentos, quando escolhi caminhos que me afastavam dos almoços de domingo, senti-me sempre culpado. Os almoços nunca são na minha casa. Não tenho casa para almoços de domingo.
José Luís Peixoto
http://www.youtube.com/watch?v=WDWq5I-Znkk