sábado, 27 de julho de 2013
Servidões
até cada objecto se encher de luz e ser apanhado
por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
ser escolhido,
e lampejando do ar à volta,
na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos juntos
como para escrever cada palavra:
pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:
um copo de água,
tudo pronto para que a luz estremeça:
o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima
tão súbito e implacável na vida administrativa
Herberto Helder
http://www.youtube.com/watch?v=vid5ye_wPwk
sábado, 20 de julho de 2013
O poder de mentir
Que orgulho: o meu neto Antoninho, com pouco mais de dois anos no mercado, já sabe mentir. Não para fugir ou para escapar às consequências do que disse ou do que fez, mas para encantar e comover, fazer rir e manipular.
A mãe e vítima dele, a minha filha Tristana, sendo mestra de cinto negro dessas artes, contou-me a artimanha do Antoninho com o brilho vaidoso de quem ama tanto que gosta de se deixar enganar.
Que esquema arranjou esse aprendiz de feiticeiro - imperador absoluto de todos quantos têm a sorte de se aproximarem dele - para manipular tão bem que toma conta dele?
A mãe indo buscá-lo à escola depois do trabalho dela, perguntou como ele tinha passado. O Antoninho, que está muito bem na escolinha onde está, respondeu, humorística e sadicamente : "Cho'ei".
Mas, quando a mãe, muito culpabilizada e comovida, por ter estado tantas horas longe do filhote, finalmente perguntou ao Antoninho "se estava a dizer que chorou só para a mãe sentir-se mais culpada", o Antoninho explodiu de alegria.
O Antoninho desatou a rir, com amor, como quem admira a sua própria pessoa, enquanto ama ainda mais quem enganou.
Aposto que, a primeira vez, o Antoninho chorou mesmo. Mas quando disse que chorou ("cho'ei"), aprendeu que falar é mais poderoso que chorar.
http://www.youtube.com/watch?v=jWWOMrrtNfw
terça-feira, 16 de julho de 2013
Tempo
foram passando os anos
Simulando vagares de eternidade
a burilar os sonhos
que sonhamos e a acrescentar
saudades à saudade
Num sobressalto
fomos tomando o gosto
Às infiéis constelações
das nossas rimas
no rasto de anjos e paixões
feitas de fulgores e neblinas
Num alvoroço
foi-se ganhando o tempo
Tecendo o poeta verso a verso
o corpo da poesia acalentada
no excesso e no gosto do colher
sedento a seduzir cada palavra
Num tumulto
fomos iludindo o nada
Na partilha astuciosa do prazer
numa grande vontade adivinhada
escrever com a língua portuguesa
dizendo do país Poema e asa
Maria Teresa Horta
http://www.youtube.com/watch?v=SkwBEpSfuYg
http://www.youtube.com/watch?v=SkwBEpSfuYg
segunda-feira, 8 de julho de 2013
Pintar com palavras
Começa AQUI. Um castanho muito escuro para o Outono. Juntar branco. Pouco a pouco distingue-se uma casa. Os contornos são agora mais nítidos. De repente surge um duende que atravessa o quadro a correr e escapa-se lá para cima para a...
mi
...cha né. Amarelo. Vem aí gente. Depressa, vermelho, por favor. É melhor sair e ir lá para baixo, ao fundo...
...Pinceladas leves de azul. Ar. Mar. Com algumas nuvens. Ao longe é quase tudo azul, calmo, sereno. Pode ser manhã. Pedacinhos de azul esvoaçam. Um bocado ficou aqui.
HN
Exposição de Graça Morais em Aveiro, 2003
http://www.youtube.com/watch?v=yZv5mXazJTw
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