Ouço dizer que anda lá fora uma tristeza. Inclino-me à janela e não a vejo. Pergunto-me então: de que tristeza falam? "Da morte." Oh, sim , morre-se muito no Outono. É esse, aliás, o tempo natural. As árvores, por exemplo, cumprem sempre. Deitam ao chão as suas chaves de ouro e fecham-se por dentro, inacessíveis. Mas a que morte se referem? A que perda, a que grande vazio se referem?
Faço a minha vigília em solidão, sem perceber de que tristeza falam. E sobre que tristeza escrevem eles. Não conhecem os rios da Irlanda? Existem, na Irlanda, rios assim: seguem pelo seu curso e, de repente, desaparecem, deixam a paisagem. E, mais longe, aparecem outra vez. Entram na terra, continuam a fluir pelos túneis do subsolo, depois emergem. É um fenómeno próprio do que ali se chama karst, formações de calcário vulneráveis à corrosão das águas pluviais. Não é um plágio da eternidade, é simplesmente aquilo que permanece ainda quando deixa de ser visto. É isso que eles ensinam, esses rios. É isso o que, apesar de uma tristeza andar lá fora, como me dizem, leva a que não a compartilhe.
Quando vier a hora de chorar já eu não estarei viva há muito tempo. Só acontecerá quando as catástrofes eliminarem a humanidade e, com ela, as palavras e, com elas, o que o António escreveu. Esse caudal.
Comparam-no alguns a um menino autocentrado e pronto a fascinar-se. O que há nele, sobretudo, é uma nobre e sábia rebelião, a que não dobra ante a realidade e quer ver tudo e ligar tudo com os fios que a luz e a pressa ocultam aos comuns. Os fios que ele descobria entre as palavras.
http://www.youtube.com/watch?v=NCID3781Xcg
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