Transpõe-se o portal do Mosteiro: e entra-se de súbito numa atmosfera de irrealidade transcendente. De majestade austera. De espiritualidade sublime.
Ao alto, a pedra ganhou asas. A alma arrebatada, paira. Participa irresistivelmente do voo das colunas.
Reintegremos o templo na terra e no tempo em que se ergueu. O solo, e junto ao rio, está ainda coberto de florestas, pouco menos que virgens. E os grandes troncos das árvores seculares, unidos ao alto pelas possantes ramarias, deram aos pilares da nave e aos artesãos da abóbada o modelo natural e a lógica da ascensão abstracta para o céu; o resguardo íntimo e o silêncio augusto, propícios ao recolhimento e à prece. O arquitecto foi buscar às linhas dos fustes e ao entrosado das copas a síntese euclidiana das naves.
Por isso desde logo impressiona a sobriedade orgânica dos meios. Colunas e abóbadas são pura e desnuda arquitectura. O homem cujo espírito ordenou as abadias madres da Ordem de Cister, em Pontigny e Claraval (1114-1115) - São Bernardo, já anatematizara as esculturas românicas que decoravam as igrejas clunisianas, tão profusas de imagens "que o monge, dizia ele, é tentado bem mais a estudar as pedras do que os livros e a meditar mais nessas figuras do que na lei de Deus". As formas da vida, animadas por um sopro sensual e pagão, repugnavam ao misticismo do grande inspirador da arte cisterciense. O espírito católico, tal como São Bernardo o entendia, estava ameaçado de ser destruído pela invasão livre e laica da vida comunal. E era indispensável manter a fé militante e o ímpeto das Cruzadas na tensão suprema que leva aos grandes sacrifícios colectivos e dar-lhe expressão e permanência no seio místico do templo.
Jaime Cortesão
https://www.youtube.com/watch?v=ckgOT0tczdQ
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