Concebe-se, sem dificuldade, a razão de ser da indústria turística, com todos os benefícios que dela possam advir, mas é legítimo não a estimarmos, em tão larga escala, para nós. Sobretudo, porque ao turista preferimos, mil vezes, o forasteiro. Este, não nos incomoda ver e sentir vibrar a nosso lado, sempre que nos encontramos, sem binóculo nem máquina fotográfica, perante um trecho marítimo ou bucólico da nossa paisagem. É que o forasteiro, mesmo oriundo de estrangeira terra, é um ser humano que transporta, quando não ideais, pelo menos objectivos desinteressados e um gosto, bom ou mau, mas muito seu. O outro é um sujeito de gosto convencional e de vontade colectiva. Só irá, em rebanho, aonde o levarem ou lhe disserem que deve ir. Desprovido de sensibilidade e de imaginação, seria, por exemplo, incapaz de perder-se, de propósito, em Sintra, para gozar o prazer de descobrir vistas inéditas, jardins solitários, nascentes ocultas na espessura das encostas. Viaja para cumprir os roteiros oficiais. Consulta o guia, assesta o binóculo, tira fotografias e sorri. Pode ser, internacionalmente, inofensivo - e, até, muito útil - mas macula a paisagem. Por isso a nossa paisagem não gosta de turistas. Eu já sonhei-como-se-visse um florido vale esconder-se, de repente, em densa névoa, por causa da maneira indiscreta, quase insolente, como um turista olhava para ele. Porque, se a paisagem pode ser feminina (no que a palavra sugere de peculiar beleza, de fecunda e carinhosa amorosidade) talvez não exista nenhuma que o seja tanto como a nossa.
Carlos Queiroz
https://www.youtube.com/watch?v=IxCBAGQZsgA
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