domingo, 17 de julho de 2016
O Dilúvio
Há muitos dias já, há já bem longas noites
que o estalar dos vulcões e o atroar das torrentes
ribombam com furor, quais rábidos açoites,
ao crebro rutilar dos coriscos ardentes.
Pradarias, vergéis, hortos, vinhedos, matos,
tudo desapar'ceu ao rude desabar
das constantes, hostis, raivosas cataratas,
que fizeram da Terra um grande e torvo mar.
À flor do torvo mar, verde como as gangrenas,
onde homens e leões bóiam agonizantes,
imprecando com fúria e angústia, erguem-se apenas,
quais monstros colossais, as montanhas gigantes.
É aí que, ululando, os homens como as feras
refugiar-se vão em trágicos cardumes,
O mar sobe, o mar cresce, e os homens e as panteras,
crianças e reptis caminham para os cumes.
Os fortes, sem haver piedade que os sujeite,
arremessam ao chão pobres velhos cansados.
E as mães largam, cruéis, os filhinhos de leite,
que os que seguem depois pisam, alucinados.
Cresce no mar, sobe o mar... e traga, rudemente,
da mais alta montanha o píncaro nevado.
E um tremendo trovão aplaude a vaga arlente,
que envolve, ao despenhar-se, o último condenado.
Cresce o mar, sobe o mar, que já topeta os céus:
e, levada plo fero e desabrido norte,
sua espuma, a ferver, molha o rosto de Deus,
que lhe encontra um sabor nauseabundo de morte...
Cresce o mar, sobe o mar... Cada vaga é uma torre!
No céu, o próprio Deus melancólico pasma...
E, pelos vagalhões acastelados, corre
a Arca de Noé, qual navio-fantasma...
Eugénio de Castro
(pintura de Francisco Metrass)
https://www.youtube.com/watch?v=jXxmvsllhCg
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