O grande pedregulho de que o homem obstinado extrai a melhor fruta do mundo e o melhor vinho do mundo, o líquido dourado que sabe a sol e é um extracto de sol. Criado nas encostas, a um calor senegalesco, o mais perfeito, dizem, é o que ouve ranger a espadela do barqueiro, nos sítios onde o homem bate o queixo com febre, e onde a terra grita de dor ao céu - e o céu sem lhe acudir. É nesta secura de inferno, que aquele tipo que além vês magro e reduzido a pele e osso pela labareda, planta a vinha, cava, escava, calça, sulfata. Ajuda-o a mulher tão feia e seca como ele. Ajuda-o o sol que assa sardinhas nos rails do caminho de ferro. Que diabo de figura é esta, para quem olho com respeito, que se atreveu com o pedregulho e o abriu a marreta e a ferro, e às vezes a dinamite, até pulverizar o chão para lhe meter os bacelos? Donde ninguém tiraria senão pedras, tirou ele, não só o melhor vinho do mundo, mas os figos que sabem a mel e as laranjas como torrões de açúcar que deixam a boca perfumada.
O Douro é o rio mais belo, mais dramático e mais variado de Portugal. Cenários sobre cenários, nos dias soturnos em que o fraguedo lhes parecia ainda mais trágico, com o rio esganado entre pedras e montanhas socalcadas pelo homem, para aguentarem alguns bocados de terra a esboroar-se. O Alto Douro, a terra do vinho fino, é também a terra dos panoramas tétricos, dos sítios onde reina a febre, das povoações concentradas, recozendo ao sola fealdade - uma aqui, outra além, Pocinho, donde vai a linha para Moncorvo.
Maria Angelina - Raul Brandão
https://www.youtube.com/watch?v=jgVWPF3k85s
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