És pequenina e ris ... A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa ...
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!
Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te faz tão graciosa!
Que nesta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!
O ver o teu olhar faz bem à gente ...
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores
Quando o teu nome diz, suavemente ...
Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!
Florbela Espanca
(pintura de António Carneiro)
https://www.youtube.com/watch?v=O0PfQ_AV-i0
domingo, 26 de fevereiro de 2017
domingo, 19 de fevereiro de 2017
Coisas que não há
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e já não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se imaginasse já existia
embora num lugar onde só eu ia...
Manuel António Pina
(pintura de Paula Rego)
https://www.youtube.com/watch?v=u3KpObOMH-k
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
Dois anos e meio
Muito despachada.
Vai devagar!
Catrapum…
Não faz mal!
É tudo normal.
É uma menina
Muito brincalhona.
Mãos em concha
Dá colinho ao seu bebé
Invisível.
“O meu bebé está a chorar!”
“Dá-lhe beijinhos!”
“Não posso. Tenho bâton.”
“Ai, sim?”
“Não. Estou a brincar contigo!”
É uma menina
Muito arrebitada.
Não desiste
Insiste
Bate o pé:
“Eu consigo!”
domingo, 5 de fevereiro de 2017
O imperador
A voz nascia na tribuna, vinha do alto, ou ia par o alto lançada pelas bocas de um exército de altifalantes apontados às nuvens do inconcebível; era uma voz cercadora, que estava atrás e à frente e por cima também; voz maior, VOZ, emoldurada em palmas. Alinhados em esquadrões, entre sol e estandartes, os peregrinos esticavam o pescoço a procurar seguir-lhes o rastro pelos caprichos das alturas. Percebiam e não percebiam, pouca coisa, quase nada, dados os seus fracos conhecimentos do dialecto dê-erre, mas não era motivo para se afligirem: iriam compreender mais tarde quando o padre e a professora Minha-Senhora os reunisse lá na aldeia para fazerem o comentário próprio. Aí seria o Discurso em tradução livre; por enquanto tinham o dos altifalantes, que era todo ao vivo e que os cobria com pensamentos de cometa.
«APOIADO!»
«VIVA O IMPERADOR!»
Estavam tontos de luz, cegos de tanto mirar o nada, o azul celestial, à procura do traço da Voz. Pressentiam que ela tinha alcance de profecia e assim como assim conformavam-se. Por cima deles desenhavam-se loopings de gramática austera, retóricas e artifícios estrelados, conclusões de pancada alta - como trovões.
«APOIADO! APOIADO! APOIADO!»
«IMPERADOR! IMPERADOR! IMPERADOR!»
Até que no dia D (D de Dia e de Discurso, observe-se) aconteceu a viragem que ninguém esperava.
Que fique bem gravado: a Decisão teve lugar no dia D por ocasião do último Discurso, o fatal. Nunca mais. Dali em diante passava a dirigir-se a outras audiências - às europas e baldrocas, aos espíritos de ouvido apurado e aos continentes na generalidade. E, não era tarde nem cedo, em duas penadas já apontava para novo rumo:
«ATENÇÃO, MUNDO! BONS DIAS, PLANETAS!»
O pior é que mundos e planetas andavam fora do comprimento de onda do Imperador porque nem um obrigado lhe mandaram. Pelos vistos, não tomaram conhecimento, ou não quiseram. Desconheciam, pensavam para lá.
José Cardoso Pires
Até que no dia D (D de Dia e de Discurso, observe-se) aconteceu a viragem que ninguém esperava.
Que fique bem gravado: a Decisão teve lugar no dia D por ocasião do último Discurso, o fatal. Nunca mais. Dali em diante passava a dirigir-se a outras audiências - às europas e baldrocas, aos espíritos de ouvido apurado e aos continentes na generalidade. E, não era tarde nem cedo, em duas penadas já apontava para novo rumo:
«ATENÇÃO, MUNDO! BONS DIAS, PLANETAS!»
O pior é que mundos e planetas andavam fora do comprimento de onda do Imperador porque nem um obrigado lhe mandaram. Pelos vistos, não tomaram conhecimento, ou não quiseram. Desconheciam, pensavam para lá.
José Cardoso Pires
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