A voz nascia na tribuna, vinha do alto, ou ia par o alto lançada pelas bocas de um exército de altifalantes apontados às nuvens do inconcebível; era uma voz cercadora, que estava atrás e à frente e por cima também; voz maior, VOZ, emoldurada em palmas. Alinhados em esquadrões, entre sol e estandartes, os peregrinos esticavam o pescoço a procurar seguir-lhes o rastro pelos caprichos das alturas. Percebiam e não percebiam, pouca coisa, quase nada, dados os seus fracos conhecimentos do dialecto dê-erre, mas não era motivo para se afligirem: iriam compreender mais tarde quando o padre e a professora Minha-Senhora os reunisse lá na aldeia para fazerem o comentário próprio. Aí seria o Discurso em tradução livre; por enquanto tinham o dos altifalantes, que era todo ao vivo e que os cobria com pensamentos de cometa.
«APOIADO!»
«VIVA O IMPERADOR!»
Estavam tontos de luz, cegos de tanto mirar o nada, o azul celestial, à procura do traço da Voz. Pressentiam que ela tinha alcance de profecia e assim como assim conformavam-se. Por cima deles desenhavam-se loopings de gramática austera, retóricas e artifícios estrelados, conclusões de pancada alta - como trovões.
«APOIADO! APOIADO! APOIADO!»
«IMPERADOR! IMPERADOR! IMPERADOR!»
Até que no dia D (D de Dia e de Discurso, observe-se) aconteceu a viragem que ninguém esperava.
Que fique bem gravado: a Decisão teve lugar no dia D por ocasião do último Discurso, o fatal. Nunca mais. Dali em diante passava a dirigir-se a outras audiências - às europas e baldrocas, aos espíritos de ouvido apurado e aos continentes na generalidade. E, não era tarde nem cedo, em duas penadas já apontava para novo rumo:
«ATENÇÃO, MUNDO! BONS DIAS, PLANETAS!»
O pior é que mundos e planetas andavam fora do comprimento de onda do Imperador porque nem um obrigado lhe mandaram. Pelos vistos, não tomaram conhecimento, ou não quiseram. Desconheciam, pensavam para lá.
José Cardoso Pires
Até que no dia D (D de Dia e de Discurso, observe-se) aconteceu a viragem que ninguém esperava.
Que fique bem gravado: a Decisão teve lugar no dia D por ocasião do último Discurso, o fatal. Nunca mais. Dali em diante passava a dirigir-se a outras audiências - às europas e baldrocas, aos espíritos de ouvido apurado e aos continentes na generalidade. E, não era tarde nem cedo, em duas penadas já apontava para novo rumo:
«ATENÇÃO, MUNDO! BONS DIAS, PLANETAS!»
O pior é que mundos e planetas andavam fora do comprimento de onda do Imperador porque nem um obrigado lhe mandaram. Pelos vistos, não tomaram conhecimento, ou não quiseram. Desconheciam, pensavam para lá.
José Cardoso Pires
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