sábado, 30 de junho de 2018

Romance das doze moças donzelas


Eram doze moças donzelas
todas forradas de bronze:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão onze.

as onze que elas eram
foram a lavar os pés:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão dez.

Dessas dez que elas eram
foram cavar uma cova:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão nove.

Dessas nove que elas eram
foram amassar biscoitos:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão oito.

Dessas oito que elas eram
todas usavam barrete:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão sete.

Dessas sete que elas eram
foram cantar por des réis:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão seis.

Dessas seis que elas eram
fecharam a porta no trinco:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão cinco.

Dessas cinco que elas eram
comeram arroz com pato:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão quatro.

Dessas quatro que elas eram
voltaram lá outra vez:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão três.

Dessas três que elas eram
foram lá por essas ruas:
deu o tranglomango nelas,
não ficaram senão duas.

Dessas duas que elas eram
foram apanhar caruma:
deu o tranglomango nelas,
não ficou senão só uma.

Dessa uma que ela era
foi viver para a cidade:
deu o tranglomango nela,
não ficou senão metade.

Dessa metade que ela era
foi brincar com um peão:
deu o tranglomango nela,
acabou-se a geração.

Popular
(Pintura de Paula Rego)
https://www.youtube.com/watch?v=mjpeCGv7IcI

domingo, 17 de junho de 2018

Aos jacarandás de Lisboa


São eles que anunciam o verão.
Não sei doutra glória, doutro
paraíso: à sua entrada os jacarandás
estão em flor, um de cada lado.
E um sorriso, tranquila morada,
à minha espera.
O espaço a toda a roda
multiplica os seus espelhos, abre
varandas para o mar.
É como nos sonhos mais pueris:
posso voar quase rente
às nuvens altas – irmão dos pássaros –,
perder-me no ar.


Eugénio de Andrade
https://www.youtube.com/watch?v=fhLmzyqrLLo

sábado, 9 de junho de 2018

Imagens...


Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!... 


Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Porque ides sem mim, não me levais? 

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos... 

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos.

Camilo Pessanha

(arte de Victor Belém)
https://www.youtube.com/watch?v=VbtkOOZy_qs