Ira sempre esperou o dia em que as tartarugas-rosa vinham do mar. Quando o calor subia, tudo ficava de olho, à coca, predadores alados, marinhos, humanos, na expectativa dos ovos. Então o dia chegava e elas emergiam das águas aos milhares, gigantes de meia tonelada, dois metros de comprimento, trepavam pela areia com as suas patas nadadeiras, as suas cabeças de milhões de anos, cada uma escolhia um lugar para escavar o buraco, enterrava dezenas e dezenas de ovos, cobria-os e voltava ao mar.
A primeira vez que viu isto, Ira perguntou à avó se eram todas mães, ou os pais também tinham ovos. A avó disse que não, que os pais tartaruga nadam pelos oceanos toda a vida, que é lá que põem a sua semente nas mães, e nunca voltam a pisar a praia onde nasceram. Mas daí a lua-e-meia, explicou, ele poderia ver os bebés tartaruga, machos e fêmeas. Ira fez as contas e começou a ir à praia. Até que certa noite aconteceu, milhares de bebés cor-de-rosa começaram a brotar dos buracos, sacudindo a areia, e imediatamente, freneticamente correram na direcção da água. O luar iluminava aquela maratona épica, aqueles metros em que tudo rivalizava para lhes roubar a vida. Ira só pensava que tinham nascido há segundos, sozinhos no mundo, sem pai nem mãe, e sabiam para onde ir, o que fazer. Que segredo era esse com que já nasciam?
Anos depois, na cidade aprendeu que só sobrevive um em cada cem bebés-tartaruga. Quando chegam a adultos, fecundam com outros uma mesma fêmea, que no grande calor voltará a Alendabar para enterrar os seus ovos, recomeçando tudo. E se a temperatura da areia for acima de trinta graus, o ovo será fêmea.
Alexandra Lucas Coelho
https://www.youtube.com/watch?v=1oiximotlME
Alexandra Lucas Coelho
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