domingo, 27 de janeiro de 2019

Lei sálica

     
Está representada uma mulher gordinha, de lado para nós,  talvez com 35 anos, de olhos grandes e lábios pintados. Traz um vestido decotado com  pregas à frente (será um avental?) e mais justo atrás , mas calça uma espécie de pantufas desirmanadas. Na cabeça traz uma touca que lembra as usadas pelas mulheres de épocas passadas. Carrega um grande peso às costas aqui representado por um pedaço de terra com árvores.

             As mulheres da família sempre 
          tiveram um jeito quase póstumo
          de existir: guardar o lume
          em silêncio, comer depois de
          servir os outros, morrer primeiro

          Saíam à hora de ponta do destino
          para lerem os caminhos perdidos
          e coleccionavam a abdicação
          em caixinhas de folha, entre bilhetes
          caducados ou dentes de infâncias alheias.

          Esperavam a vida toda por uma vida
          próxima, de alma presa a alfinetes
          no vestido preferido para o enterro,
          os passos medidos nas suas varandas 
          a dar para o fim do mundo.

          Retomo-lhes às vezes os gestos
          neste meu exílio inventado,
          mas acaba aqui: vou encher de corpo
          a sombra, mesmo que nem tempo
          me reste já para a pesar.

          Inês Dias
          (pintura de Armanda Passos)
          https://www.youtube.com/watch?v=o0ZLw3aSsyg

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