terça-feira, 21 de abril de 2020

Ophiussa


“Conta a lenda que em tempos remotos, nada desta cidade de Lisboa existia e toda a costa recebia um nome estranho e simbólico: Ofiúsa, ou seja, a Terra das Serpentes. A sua rainha era meia mulher meia serpente, um ser aparentemente gentil e afável, com um enorme poder de sedução que utilizava para atrair todos os que aportavam ao seu reino. Tinha por hábito subir ao alto de um monte e gritar ao vento, para depois ouvir sua própria voz no eco: “Este é o meu reino! Só eu governo aqui, mais ninguém! Nenhum ser humano se atreverá a pôr aqui os pés: ai de quem ousar, pois, as minhas serpentes, não o deixarão respirar um minuto sequer!” 
Por muito tempo quase ninguém se atreveu realmente a entrar nesse reino. Acreditava-se que a sua costa era amaldiçoada tanto pelos deuses como pelos homens. Os poucos que se arriscavam eram seduzidos pela rainha e nunca mais retornavam. Porém, um dia, vindo de muito longe, um herói chamado Ulisses, aportou na terra das serpentes. Ulisses e os seus companheiros ficaram encantados pela beleza de Ofiúsa junto ao rio, e decidiram ancorar e passar uns dias em terra para descansarem. Quando viu Ulisses, a rainha serpente apaixonou-se perdidamente por ele e pediu-lhe que casasse com ela e vivesse para sempre no reino, em troca de poupar a sua vida e a dos seus homens. Ulisses receando a sua fúria fingiu aceitar, até descansar com os seus homens e abastecer as suas naus com mantimentos frescos, para poder prosseguir viagem. Deslumbrado com as belezas naturais que viu, subiu a um monte, e assim como fazia a rainha das Serpentes, gritou ao vento: “Aqui edificarei a cidade mais bela do Universo, e dar-lhe-ei o meu próprio nome. Será Ulisseia, capital do Mundo!” 
Assim que pode, Ulisses fugiu da rainha e zarpou para mar alto. Ao ver-se só, enraivecida por ter sido enganada, a rainha lançou-se da colina onde vivia em direcção ao mar. A sua longa cauda não lhe permitia mover-se com grande velocidade, mas não a impediu de serpentear até ao rio, deixando atrás de si como prova do enorme esforço, as sete colinas que ainda hoje existem em Lisboa. Chegada ao rio ainda continuou algum tempo nadando até ao mar, mas acabou por desistir, sem forças para continuar perseguindo Ulisses, que entretanto já se encontrava longe. Assim surgiu a primeira lenda referente a Lisboa e às suas sete colinas, que continuam ainda hoje a dirigir-se para o rio Tejo, quem sabe se em busca de um amor eterno.” 


Sofia Quintas
Pintura de Lima de Freitas
https://www.youtube.com/watch?v=UuKn1HkTjBg

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