sábado, 30 de maio de 2020
Entrada
segunda-feira, 18 de maio de 2020
Concerto no Auditório da Gulbenkian
João Barradas 4 D
Sozinho no
meio do palco
Sentado numa
cadeira
O músico
toca acordeão
E atrás dele
apenas
Uma parede
transparente
Nos separa
do jardim…
Diante de
nós um menino
A brincar
com uma menina
Papageno e
Papagena?
Dá um
pontapé e a bola
Bate no chão
e rebola
Correm os
dois atrás dela
Desaparecem
no jardim
Barradas no
meio do palco
Abraça o
acordeão
Que canta,
geme e grita
E nós vamos
atrás dele
Cada um
dentro de si
Olhem esta
criança
A tocar acordeão
Noite Feliz,
Noite Feliz
E os outros
meninos
Acompanham
em coro
Noite Feliz,
Noite Feliz
Ano de mil
novecentos e tal
Eu estou no
meio deles
Inocentes e
cheios de futuro
Noite Feliz,
Noite Feliz
E o concerto
termina.
Março/Abril
de 2020
HN
Pintura de Picasso
https://www.youtube.com/watch?v=IYahMZO5Rng
domingo, 10 de maio de 2020
A educação no tempo de O. S.
Enquanto todos reencontram a família, à noite, ele fica sozinho, trabalhando, velando sem dormir pelo seu povo. Graças a ele as pessoas vivem em segurança, defendidas da discórdia, da infelicidade e da guerra, libertas de todo o mal.
Entre a ira de Deus e os ventos da História ele levanta-se como um anjo para proteger o seu povo. Ele é um rochedo de granito, uma fortaleza inexpugnável, contra a qual as ciladas do inimigo não terão jamais poder algum.
Está sentado numa cadeira de ouro e não sai nunca porque todos os lugares estão nele, ele é o alfa e o ómega, o princípio e o fim.
As setas venenosas embatem nele e quebram-se como vidro, ele é mais forte do que a hidra, o tufão, o raio e o basilisco.
Velai por ele, ó Deus, pois ele é a nossa segurança e a nossa força.
Vestidas com batas brancas, todas sentadas em cadeirinhas baixas. O céu enevoado, as nuvens descendo, para lá da janela, algures, nos ouvidos, o vento andando. Áurea inclinava-se sobre cada uma, vigiando, as agulhas caíam, desenfiadas da linha, quando ela segurava o pano.
- Não quero nós, disse, dá-se meio ponto e segura-se a linha com outro meio ponto, quantas vezes eu já disse isso.
Áurea estava exausta, mas não afrouxaria. Levantou os olhos até ao retrato: O. S. era o seu esposo místico, ele dava razão e sentido à sua vida. À noite era nele que pensava na cama, adormecia pensando nele, um homem perfeito e santo, como mandava a Igreja. Um povo de santos, que preferiam não usar o seu corpo.
"Faz do trabalho uma oração", leu ainda, mais abaixo, desviando os olhos do retrato. Mandara emoldurar a frase e pendurara-a na parede, em letras grossas que se viam com clareza de todas os lugares da sala, não podiam deixar de ler-se sempre que se levantavam os olhos do caderno ou do bordado, mil vezes ao dia, como uma jaculatória, e ficavam para sempre gravadas na memória.
Educar era isso, gravar no espírito, desde a infância. Aí ficariam as palavras para sempre, e um dia não seria mais possível apagá-las, fariam parte da pessoa. Era necessário, por isso, fornecer em tempo às crianças as palavras certas e livrá-las das falsas. Preservá-las do mal a todo o custo. Separar os sexos, as salas, as escolas.
sexta-feira, 1 de maio de 2020
Primeiro 1º de Maio
No dia primeiro de Maio
neste país de prosa até aos dentes,
rodeado de palavras em tudo o que é papel
ou coisa transmissível
quem quis foi para a rua fazer o seu poema.
Não estava ali ninguém para discursos,
os artigos eram para limpar o cu.
As velhas queriam dançar - quem sabe -
pela última vez na sua vida.
As raparigas gritavam por aborto livre
e um homossexual levava uma criança ao colo
porque exigia creches no seu peito pintado.
No meio das grandes massas e palavras de ordem
a voz abafada do desejo erguia o seu poema,
transgredia...
Cada um escrevia ali o seu poema
entre os fulgores de um Maio
erguido a custo
nas mais finas agulhas.
Cada um deixava o seu sangue crescer
na mão do outro.
Mar, mar tenebroso e de repente calmo
na espuma de um sorriso,
na palma aberta ao rosto imediato.
Toda a cidade, agora feita de água,
brilhava e anoitecia nas gargantas.
Era um poema longo, longo
o que ela respirava.
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