este é o livro da minha descendência:
adelino gerou armindo que gerou adão que
gerou tiago que gerou três. dois deles correm agora pela sala em
perseguições alternadas. o terceiro cresce sem que o
vejamos ainda. somos cada vez mais, embora insuficientes
para substituir os mortos que coleccionamos em álbuns de
família, e por motivos práticos vivemos quase isolados na nossa
felicidade doméstica, um sentimento mal recebido pela crítica.
durante a infância ninguém morreu. os corpos
eram retirados do olhar das crianças de forma subtil e
eficaz. chegou por fim o momento de consultar
a conta-corrente, de avaliar os ganhos e as perdas.
um nome por cada nome, numa família em que o
passou é quase tão desconhecido como o futuro.
fomos trazidos até aqui por uma paixão
quase constante entre os sexos, ao longo dos séculos.
e agora, na idade adulta,é a cada dia
que nos vamos aproximando do passado.
pode ter sido muito diferente em outras épocas, mas
hoje é saturno que é devorado pelos filhos enquanto vê
televisão, numa tarde de sábado.
Tiago Araújo