CORREIO
do meu país.
Chegam vozes. Chega um silêncio que me diz
as revoltas as lágrimas os cansaços.
Chegam palavras que me apertam os braços.
Chegam notícias do meu país.
Chegam do Sul e falam a cantar
CORREIO
Que ilusão, viajar! Todo o Planeta é zero.
Por toda a parte é mau o Homem e bom o Céu.
- Américas! Japão! Índias; Calvário!... Quero
Mas é ir à Ilha orar sobre a cova de Antero
E a Águeda beber água do Botaréu....
António Nobre
Férias em Avanca
Egas Moniz (1874-1955)
4 horas da tarde
É neste ponto, depois da barra, que a ria desvanecida se imaterializa e atinge a perfeição suprema. S. Jacinto das Areias, pintado de vermelho e envernizado de novo, revê-se no espelho límpido das águas. Adiante há um pinheiral na duna, pequenino e já misterioso. À direita, em diferentes gradações de roxo, o vasto acampamento das salinas estende-se muito ao longe até à serra. Azul, azul vivo, azul que a luz trespassa e estremece, azul que não tem limites. Também a terra se prolonga e o amplo panorama se torna irreal. Aqui a matéria não existe. As terras alagadas têm tanta transparência como a ria. Distingo árvores, mas as árvores são traços de cor diluída e nascem da água; adiante riscos de uma paliçada ou um pedaço de areia desvanecida... O que há é azul a jorros, uma vasta amplidão indistinta como num sonho, cheia de ar húmido e envolvida em luz carinhosa. As coisas são tão leves, que a luz as atravessa... Vogamos. Seis horas, sete horas... Era preciso anotar a todos os momentos a aparência dos seres e das coisas, que a cada minuto se transformam. O mesmo panorama toma novos aspectos de sonho translúcido à medida que a luz esmorece e o barco se desloca. Às oito horas estamos de novo perto da barra e o jorro que vem do mar parece lava fundida. O poente avermelha as areias e acende na água um rasto de estrelas.
Raul Brandão
Quem, por uma calma e luminosa manhã de Agosto ou Setembro, deixar a cidade, seguindo a estrada da Barra - essa estrada singular, ladeada de água, com a ria por uma banda e pela outra as marinhas - e parando a meio do caminho, pelas alturas do lago do Paraíso, circunvagar em torno a vista, terá a larga visão panorâmica de uma das mais admiráveis e soberbas paisagens do nosso país. Voltando-se para a cidade, olhando por sobre os tabuleiros das marinhas, de águas paradas e polidas como placas rectangulares de vidro, vê-la- á estender-se numa linha de casaria acotovelada - traços brancos de paredes sob traços vermelhos de telhados - acima da qual se erguem perfis de torres ou altos muros de edifícios públicos e de fábricas. Depois, num segundo plano, de uma extensa gama de verdes, descobrirá os campos, os imensos milhares, as massas de arvoredo - os choupos e salgueiros que formam as cortinas marginais do Vouga, os pinheiros sombrios, os velhos álamos da estrada de Ílhavo, os tufos isolados dos esguios eucaliptos. De entre esta verdura, surgir-lhe-á a mescla branca das povoações circunvizinhas(...) E para lá, enfim, de toda esta zona verdejante e apenas levemente ondulada, erguer-se-á ante a sua vista, no esplendor de uma imaterialização luminosa, um traço longo e caprichoso que se diria dado com uma pincelada de ametistas e safiras liquefeitas, a magnífica linha orográfica das cordilheiras da Beira: as serranias majestosas de Arouca, das Talhadas e do Caramulo, com o seu pico central e, mais para sul a avançada do Buçaco e os perfis vagos da Estrela e da Lousã, esbatendo-se diafanamente no céu de lápis-lazúli.
Luís de Magalhães (1859-1935)
Postais antigos
Um leve tremor precede a madrugada
Quando mar e céu na mesma cor se azulam
E são mais claras as luzes dos barcos pescadores
E para além de insânias e rumores
A nossa vida se vê extasiada
Sophia de Mello Breyner Andresen
Foto do nascer do sol na Ilha do Farol, 2012