Nos mangues do Lobito durante a maré baixa
caminhávamos horas ao longo dos ramais
indiferentes ao solo instável
ao labirinto de raízes, às aéreas transições
Ficávamos assim talvez mais próximos
da verdade sem aquela sensação
de que a haveríamos de perder
e quando atravessávamos a fronteira das águas
galhofeiros e urrando de entusiasmo
parecia-nos estranho que houvesse apenas uma palavra
para designar o mundo
Nenhuma ignomínia ou veneno
trepava os muros desses domínios
a nossa existência era uma coisa selvagem e simples
sentindo-se maravilhosamente
Só quando surpreendíamos os flamingos
prontos para os seus voos
semelhantes a uma armada
de invisíveis jangadas
compreendíamos ser testemunhas de um segredo
que não estava destinado ao olhar dos homens
José Tolentino Mendonça
Foto de manguezal, Lobito, Angola
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