"Onde deixei a Mila?", pergunto-me, como se procurasse as chaves de casa. Terei ficado na Beira, em sessenta e sete, lendo um jornal em voz alta à sombra de um mamoeiro, ou serei aquele borrão de tinta na fotografia de uma barragem também em Moçambique? Serei as nódoas de água sobre a secretária do meu avô [português] Manuel; uma caneta na mala do avô [angolano] Castro; a pulga no colchão em São Gens? Encontrar uma pessoa pode ser sinal de que a procurámos. Parece-me todavia que "encontrar" não é um resultado previsto de "procurar" quando falamos de pessoas. Encontrar-me a mim é mais parecido com encontrara uma pulga quando se procurava um borrão; encontrar uma nódoa de água quando se procurava uma chave; encontrar uma caneta quando se procurava uma pessoa. O que se encontra reconfigura o que se procurava. A procura de uma origem e de uma identidade não reconstitui a minha origem nem descobre a minha identidade. Uma pessoa apenas se encontra a si mesma por acaso.
"Onde deixei a Mila?" O tempo da procura coincide com o tempo da descoberta, exactamente como se percebesse o propósito do que escrevo no decurso de escrever. A pessoa que encontrei por acaso confunde-se com o resultado de uma procura apenas no sentido em que, se usarmos uma pá para desenterrar um baú, é possível que o baú encontrado esteja marcado pela pá que usámos. Tal conclusão mostra-me que apenas por acaso este é o meu cabelo. O que somos por escrito é tão diferente do que somos quanto uma nódoa de água é diferente de uma chave.
Djaimilia Pereira de Almeida
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