A seca do bacalhau na Gafanha emprega muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo secas onde o trabalho é permanente, porque abrange duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.
Na referência a esta actividade feminina focaremos em especial a
Gafanha, visto ser ali que ela atinge o maior desenvolvimento, como é também
ali que existem as mais importantes secas do bacalhau de todo o País.
Pelos costumes e ambiente em que vivem e ainda porque tanto se
entregam à lavoura como à faina da seca ou qualquer outra que se lhes
proporcione, elas conservam, sob certos aspectos, a mentalidade da mulher do
campo; mas a disciplina das tarefas realizadas em comum ou distribuídas numa
coordenação de actividades, o sentido das responsabilidade, os horários fixos e
ainda o contacto com outras realidades directamente ligadas ao seu próprio
esforço vão-lhes dando uma noção diferente da vida e criando consciência da
importância do seu labor.
Não se imagine, porém, que as mulheres do povo, naquelas
circunstâncias, têm uma vida mais leve e fácil, em relação às suas irmãs que
permanecem em contacto permanente com a terra. Com muito poucas excepções, elas
fazem longos percursos, de manhã e à tarde, porque moram longe do local onde
trabalham. Também, de uma forma geral, todas aproveitam algumas horas que lhes
fiquem livres para ajudar na modesta faina agrícola da família, seja regar o
milho, ir ao mato e à lenha ou tratar dos animais.
A sua vantagem não está no aligeiramento das tarefas, mas sim na
mudança do ambiente, na variedade dos assuntos que lhes prendem a atenção e no
convívio com as companheiras.
As mulheres das secas do bacalhau são desembaraçadas, faladoras e
alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena
actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio,
que um amplificador de som leva a todos os recantos das instalações onde
trabalham [EPA – Empresa de Pesca de Aveiro], elas constituem um quadro pleno
de vitalidade e optimismo.
É árduo o trabalho destas mulheres, desde descarregar, lavar, salgar e
levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, para depois, mais
tarde, empilhar, seleccionar e enfardar. Nenhuma tarefa as faz recuar. São,
quase todas, mulheres de pescadores de bacalhau ou de operários, e elas
próprias trabalham no que se lhes proporciona, quando não é preciso sachar o
milho ou colher a batata, muito abundante ali. A sua existência passa-se em
permanentes fadigas e sobressaltos. Usam uma linguagem desabrida, que chega a
ser chocante, porque se habituaram a encarar a vida e as pessoas de forma
hostil, à força de lutar e sofrer de muitos modos. Tudo se resume, porém, a um
desabafo, tão natural, para elas, como respirar, rir ou falar. Bravas mulheres,
as da Gafanha!
Maria Lamas, in "As mulheres do meu país" (texto com supressões)