terça-feira, 23 de abril de 2024

Jograis aos 50 anos do 25 de Abril

Maio de 68, Paris. Tudo começa com os estudantes que ocupam as faculdades e as ruas de alguns bairros de Paris. Exigem a reforma do ensino, contestam todo o tipo de preconceitos e autoritarismos. É o tempo do “É proibido proibir”. Os trabalhadores aderem à revolta, o país paralisa. A França treme.

Por cá, em 1969, os estudantes de Coimbra em greve resistiram durante bastante tempo à chantagem e perseguição das autoridades que, através da censura, controlavam toda a informação.

Apesar de algumas proibições, ouviam-se muito as baladas e canções de intervenção. Por isso através delas podemos reviver todo o processo do 25 de Abril.

“ O que faz falta é agitar a malta/ o que faz falta…” cantava José Afonso.

Do exílio Manuel Alegre escreve e Adriano Correia de Oliveira interpreta: “Pergunto ao vento que passa /Notícias do meu país… Mesmo na noite mais triste/Em tempo de servidão/Há sempre alguém que resiste/Há sempre alguém que diz não.

Vários cantores criticam a guerra colonial cantando: “Menina dos olhos tristes/o que tanto a faz chorar/o soldadinho não volta do outro lado do mar.”

A PIDE perseguia, prendia e muitas vezes torturava os opositores ao regime. A canção “Vampiros” de José Afonso lembra essa realidade: “No céu cinzento sob o astro mudo/ Batendo as asas pela noite calada/Vêm em bandos com pés veludo/Chupar o sangue fresco da manada… Eles comem tudo/e não deixam nada.”

Mas nunca se perdeu a esperança, diz o poema de António Gedeão e canta Manuel Freire: “Eles não sabem nem sonham /que o sonho comanda a vida…”

Em 1971, nos álbuns de José Mário Branco “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e de Sérgio Godinho “ Sobreviventes” pressente-se a revolução. Sérgio canta: ”Aprende a nadar companheiro/que a maré se vai levantar/que a liberdade está a passar por aqui…”

E finalmente a revolução, o 25 de Abril de 1974:

“Esta é a madrugada que eu esperava/O dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo” (Sophia de Mello Breyner Andresen)

Foi inesquecível. O povo saiu à rua para saudar a revolução ao som de “Grândola Vila Morena”, de cravo na mão. “A poesia está na rua” lia-se num cartaz de M. H. Vieira da Silva. Agora os portugueses já podem reunir-se e participar em manifestações. “O povo unido jamais será vencido” grita-se.

E todos cantávamos com Sérgio Godinho:

“Ai, só há liberdade a sério/Quando houver/A paz, o pão/Habitação, saúde e educação…”

Pois… 50 anos depois esta canção continua actual!


HN

https://www.youtube.com/watch?v=ohV3KeGOnTw

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Em diálogo com "As mulheres do meu país"



Entre 1947 e 1949, a escritora e jornalista Maria Lamas percorreu o país, indo a várias localidades de norte a sul e visitando as ilhas, para retratar as mulheres portuguesas. 
 
Maria Lamas viaja para denunciar a falta de condições de vida. Escreve sobre pobreza, fome, maus-tratos. Excesso de trabalho. Analfabetismo. Ignorância. Isolamento. Mas também escreve - com satisfação e algum choque - sobre música, o riso, a vitalidade que encontra por todo o lado, mesmo durante as estações mais frias e nos lugares mais escuros do país. 
Grande parte das mulheres sobre as quais escreve são raparigas e aqueles anos de juventude são o tempo mais alegre da vida delas.
Seja qual for o país.

Nas aldeias havia sempre festas, em muitas delas havia bandas de música e também se fazia teatro amador. 
A aldeia da minha avó era uma dessas aldeias e o meu bisavô um desses dinamizadores culturais que se tornavam importantes nas pequenas terras. Para além de tocar música, ele montava peças de teatro em que a minha avó e o meu avô acabavam por participar.
Embora raramente a minha avó falasse desse passado com saudade - ao contrário da vida com os filhos a crescer em Luanda mais tarde - , ela devia ter saudade. Havia nela e nos seus silêncios - na sua calma interior que ninguém na família herdou - uma melancolia que só podia vir desses tempos de juventude.

Maria Lamas conta que no momento em que as raparigas casam, felizes, sabendo que finalmente vão sair da casa de pais que as prendem para começar uma vida delas, não podem saber como é o marido. Se ele é dos que batem, não o descobrem com surpresa. Constata que as próprias mulheres culpam as mulheres  sujeitas a essa violência, assim como se acreditassem estar a salvo. Como se dependesse realmente delas salvarem-se de homens violentos.
Também escreve sobre o conceito de "virtude feminina", e fá-lo com o mesmo tom que usa para descrever alguns trajes ou certos costumes supersticiosos: denotando esperança de que em breve seja algo anacrónico.

Escrevendo tanto sobre a vida dentro de casa, contando como as pessoas dormem (vários numa cama e alguns filhos com animais), como as crianças comem (alimentando-se das mães mesmo quando as mães mal se alimentam e se fortificam com vinho), como os bebés nascem em quartos pequenos com gente aos gritos, mulheres que insultam os maridos e põem roupas de homem para parir, falando de outros hábitos quase bárbaros, referindo doenças que advêm da promiscuidade dos maridos, nunca se fala sobre sexo. Nunca se pergunta sobre sexo. Sob nenhum ponto de vista: nem da obrigação dele, quando os maridos estavam em casa, nem da falta dele, quando os maridos se ausentavam às vezes durante tanto tempo.

 Susana Moreira Marques

Pinturas de José Malhoa

https://www.youtube.com/watch?v=OL5sBSaT7P0