segunda-feira, 15 de abril de 2024

Em diálogo com "As mulheres do meu país"



Entre 1947 e 1949, a escritora e jornalista Maria Lamas percorreu o país, indo a várias localidades de norte a sul e visitando as ilhas, para retratar as mulheres portuguesas. 
 
Maria Lamas viaja para denunciar a falta de condições de vida. Escreve sobre pobreza, fome, maus-tratos. Excesso de trabalho. Analfabetismo. Ignorância. Isolamento. Mas também escreve - com satisfação e algum choque - sobre música, o riso, a vitalidade que encontra por todo o lado, mesmo durante as estações mais frias e nos lugares mais escuros do país. 
Grande parte das mulheres sobre as quais escreve são raparigas e aqueles anos de juventude são o tempo mais alegre da vida delas.
Seja qual for o país.

Nas aldeias havia sempre festas, em muitas delas havia bandas de música e também se fazia teatro amador. 
A aldeia da minha avó era uma dessas aldeias e o meu bisavô um desses dinamizadores culturais que se tornavam importantes nas pequenas terras. Para além de tocar música, ele montava peças de teatro em que a minha avó e o meu avô acabavam por participar.
Embora raramente a minha avó falasse desse passado com saudade - ao contrário da vida com os filhos a crescer em Luanda mais tarde - , ela devia ter saudade. Havia nela e nos seus silêncios - na sua calma interior que ninguém na família herdou - uma melancolia que só podia vir desses tempos de juventude.

Maria Lamas conta que no momento em que as raparigas casam, felizes, sabendo que finalmente vão sair da casa de pais que as prendem para começar uma vida delas, não podem saber como é o marido. Se ele é dos que batem, não o descobrem com surpresa. Constata que as próprias mulheres culpam as mulheres  sujeitas a essa violência, assim como se acreditassem estar a salvo. Como se dependesse realmente delas salvarem-se de homens violentos.
Também escreve sobre o conceito de "virtude feminina", e fá-lo com o mesmo tom que usa para descrever alguns trajes ou certos costumes supersticiosos: denotando esperança de que em breve seja algo anacrónico.

Escrevendo tanto sobre a vida dentro de casa, contando como as pessoas dormem (vários numa cama e alguns filhos com animais), como as crianças comem (alimentando-se das mães mesmo quando as mães mal se alimentam e se fortificam com vinho), como os bebés nascem em quartos pequenos com gente aos gritos, mulheres que insultam os maridos e põem roupas de homem para parir, falando de outros hábitos quase bárbaros, referindo doenças que advêm da promiscuidade dos maridos, nunca se fala sobre sexo. Nunca se pergunta sobre sexo. Sob nenhum ponto de vista: nem da obrigação dele, quando os maridos estavam em casa, nem da falta dele, quando os maridos se ausentavam às vezes durante tanto tempo.

 Susana Moreira Marques

Pinturas de José Malhoa

https://www.youtube.com/watch?v=OL5sBSaT7P0


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