A viagem começa numa biblioteca. Ou numa livraria. Misteriosamente, ali prossegue, na claridade de razões antes recalcadas no corpo. Assim, antes do nomadismo deparamo-nos com o sedentarismo das estantes e das salas de leitura, ou mesmo dos lares onde se acumulam as obras, os atlas, os romances, os poemas, e todos os livros que, de uma forma ou de outra, contribuem para a formulação, realização, concretização da eleição de um destino. Todos os recantos de uma boa biblioteca conduzem ao mesmo sítio: o desejo de vislumbrar um animal extravagante ou colher uma planta exótica, a ambição de entrever uma borboleta rara, o anseio de descobrir um veio geológico numa mina, a vontade de caminhar sob um céu outrora assombrado por um poeta, tudo nos conduz a um ponto do globo cujo sinal cegamente guardamos.
O papel instrui as emoções, activa as sensações e aumenta a possibilidade de percepções preparadas. O corpo inicia-se em experiências vindouras face às informações generalizadas. Toda a documentação alimenta a iconografia mental de cada um de nós. A riqueza de uma viagem necessita, antes de mais, da densidade de uma preparação - da mesma forma que nos expomos a experiências espirituais convidando a alma à abertura, ao acolhimento de uma verdade submersa (...) Chegar a um lugar sobre o qual nada sabemos condena à indigência existencial. Na viagem, apenas se descobre aquilo que trazemos connosco. O vazio do viajante produz a vacuidade da viagem; a sua riqueza produz a sua excelência.
Michel Onfray
http://www.youtube.com/watch?v=4TlvMFdyUXI
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