A criança, sentada na cadeira de balouço examina a paisagem. Olhos piscos, mas minuciosos, na violência da luz exterior.
A primeira zona de areia (mancha a ferver num hálito prateado, como o sal dos velhos itinerários: ruivo por dentro, alvo por fora) ocupa o terço inferior da aridez que a janela enquadra.
Segue-se uma faixa estreita de gramíneas: a evaporação da lagoa (juncos densamente roxos) submerge-as num tom mais carregado que o da própria água. Esta área, no entanto, é bastante instável: sob a declinação do sol, as cores mudam com frequência de intensidade; basta um sopro de vento, a ondulação pouco perceptível que provoca, para clarear ou escurecer as gramíneas.
Na outra margem, a linha das dunas reflecte o movimento dessa ondulação (sinusóide ténue demarcando a altura da segunda grande zona de areia) e serve de limite ao terço intermédio da paisagem.
O último terço acaba na linha superior do caixilho: formam-no as dunas distantes (recorte acentuado, revérberos de cal, como a auréola, a inquietação que as estrelas irradiam fixamente). Ao fundo, uma nesga de azul pode parecer ao mesmo tempo céu e mar; placa de zinco a incendiar-se; ou apenas um reflexo turvo da luz.
Levanta-se e examina também a ampliação fotográfica, suspensa na parede (perto da janela), que reproduz esta mesma paisagem: a moldura dá-lhe um enquadramento semelhante; falta-lhe porém a cor real, e o tempo destingiu a imagem: os contrastes são pouco visíveis, desaparecem as três zonas distintas, dissolvem-se numa única mancha castanha (quase sépia) à medida que os anos (e a réstia de sol batendo na parede pelo fim da tarde) devoram linha a linha a nitidez dos contornos. Reconhece-se ainda a paisagem, mas há sobre as coisas o resíduo dum luar lento que se esconde para lá das últimas dunas.
Carlos de Oliveira
http://www.youtube.com/watch?v=jzjofi4yH9A
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