domingo, 1 de abril de 2012

Abril - Sinfonia da Primavera


Eu bem na sinto! Eu bem na sinto! apesar das fuligens do céu mal humorado, e da ventania que me apupa, através das frinchas das janelas. Uma pulsação vigora as alamedas, nas ascendências inexauríveis da seiva, rebentando em folhagens de contextura fina, por forma que já não é ficção o caso do homem que ouvia crescer erva nos campos, visto que eu há quinze dias oiço, no recanto do parque aonde vivo, sob uma umbela vermelha de paisagista, o burburinho da natureza que se revigora e emplumesce, numa dessas orgias de cor que faziam rir o olho azul de Rousseau, e punham emoções na palidez fatigada de Huet, o paisagista da ilha verde de Seguin.
A esta hora, por esses campos, nem vocês imaginam o que os melros dizem de alegre, e o que as borboletas vivem de contentes. Os murmúrios da água, que pelos regatos vai, como um sangue robusto, espalhando juventudes na cultura, dizem às velhas árvores histórias duma suavíssima poesia; e pelos ramos tufados de verdura húmida, tenra, tamisada de cintilas solares, entra a repovoar-se a cidade dos ninhos, grande cidade moderna com avenidas, concertos, five o'clock, toilettes de plumas, e exibições de caudas roçagantes. Ontem  me dizia na tapada um velho pintassilgo...
E por esses pomares, entre sebes de silvados e canaviais, que florações simpáticas, feitas com gotinhas de néctar e salpicos de sangue arterial!
Eu bem na sinto! Eu bem na sinto!
E os dias lúcidos vão inundar de tonalidades esses subsolos de florestas perdidas nos fundos bucólicos da província. Uma virgindade cerra as espessuras, e imacula as sombras das árvores, cuja cúpula, por cima, estrela o azul impecabilíssimo do céu. E pelas ramas que se engalfinham, se enlaçam, procuram,  frémitos de asas, num mistério de núpcias. Nenhum canto de natureza infecundo! o mesmo amor que sobe da terra,  a revigorentar os arvoredos, comunica-se aos ninhos, cinge os casais de pássaros, extravasa no ar como uma nafta de bodas bíblicas, e comunica-se, aspira-se, vai-se infiltrando em toda a parte.
Porque é necessário renovar os cultos pagãos da natureza, ressuscitar as festas rústicas  e os deuses simbólicos, os evoés, as legendas, fazendo outra vez brotar anões dos rechedos, elfos das troncagens vetustas, e os nixes dos tranquilos pegos das ribeiras.Se eu tivesse uma filha, ensina-lhe ia a ouvir a missa das florestas, e a pedir a bênção às árvores, como a velhos vovôs.
E agora oiçam. Se nós rescindíssemos a escritura ao Crucificado, e outra vez repovoássemos as florestas com a troupe pagã da Grécia antiga?...

Fialho d'Almeida
http://www.youtube.com/watch?v=kR5OWN_ydIY&feature=related

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