Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de fim de Verão entra pela varanda, lava o soalho numa pureza irreal, anterior à minha humanidade e onde, no entanto, sinto presente uma parte de mim. O céu é húmido e fresco como uma nudez, o ar satura-se ainda desse aroma genesíaco que as chuvadas ergueram da poeira do Estio. É bom estar aqui, neste abandono, todo aberto a estas vozes de indício, a este trémulo aviso de uma verdade primordial. Instante perfeito da totalidade presente,aureolando tudo o que me é degradação... Dou a face inteira à inundação da lua, que me escorre por este corpo perecível, o trespassa do seu fluido de eternidade, o transmigra ao país da legenda.
Vergílio Ferreira
(pintura de Luís Dourdil)
https://www.youtube.com/watch?v=s4M67HeJLss
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