Pulam e gritam, de regresso a casa,
após longo passeio, como se
fosse apenas um caso de memória
o cansaço que traziam nas pernas e na noite.
Gritam, pulam,brigam,
já esquecidos de que estavam cansados.
É horrorosa esta energia indomável,
sem graça e sem encanto, que deleita e baba
os que fazem mentalmente os filhos que não querem ter
ou que não podem ter, ou que perderam.
Eu sei que é a vida - a vida, oh sim, a vida -
manifestando-se nesses uivos, neste gosto
da grosseria, da brutalidade, e de andar sujo,
despenteado e descalço, o gosto
fascinante e medonho da degradação.
Não há nada que canse estes animais
que amamos com tédio, e pelos quais tememos
o futuro e a morte, ou mesmo os olhos deles.
Belas as crianças? Se o forem.
E porque o hão-de ser por serem minhas?
E por que hei-de fingir que as amo como gente,
se ninguém pensou nelas para serem feitas?
E porque hei-de aceitar que seja amor
este teimoso orgulho de ter crias?
Não há nada que canse estas crianças,
nem mesmo o desespero de que o sejam.
Jorge de Sena
https://www.youtube.com/watch?v=Fs3oSwgy3QM
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