O velho teve de admitir que estava cego. Podia caminhar,
orientado pelos murmúrios, pelas más respirações. Porém, não conseguia
alimentar‑se nem com restos de pão nem com raízes. Embatia na gente
acocorada. «Levai‑me até um ninho de lacraus», pediu então. Queria morrer
depressa. Mas procurar um ninho de lacraus provocava uma espécie de avesso no
caminho, um desvio, um desgaste inoportuno. Ninguém lhe deu ouvidos. Repararam
que ele tinha os olhos brancos e temiam que os amaldiçoasse. Então andaram um
pouco mais depressa, de maneira a que as palavras não os atingissem. O velho
ainda atirou pedras imaginárias. «Levai‑me ao menos para a sombra», disse. Mas
não havia sombras. E Tariq começou a recuar sobre os seus passos, acercando‑se
do velho, mas sem perder de vista os caminhantes. «Eu torno‑te meu pai. Trato
de ti.» Falava baixo e cheio de secura. Levou o velho pela mão, não por
bondade, mas para ter alguém ligado a si. E chamou‑lhe Nuru, Cheio de Luz. E
Nuru transformou‑se num bom guia.
Hélia Correia
Pintura de Graça Morais
https://www.youtube.com/watch?v=RWRBefVX5ec
Hélia Correia
Pintura de Graça Morais
https://www.youtube.com/watch?v=RWRBefVX5ec
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