Quanto eu viver viverá em mim a visão do Tâmega a atravessar o encantado rincão de Amarante em terras de Portugal. Guardarei para sempre - Deus queira que para depois de morto - a memória daqueles dias arrancados ao tempo em companhia de Teixeira de Pascoaes, e no íntimo ambiente da sua casa natal e solarenga, e daquela subida com ele e com o seu valoroso pai Teixeira de Vasconcellos ao cimo do Marão, que estende, como rendida cauda, uma falda doce para as ridentes terras do Minho e se debruça, sobre escarpadas garras, para os campos de Trás-os-Montes.
Debrucei-me àquela santa janela - minha santa janela - onde o poeta medita e diz adeus ao sol, e fala ao vento e saúda a aurora, e lê no infinito; debrucei-me com ele àquela janela, a beber com os olhos a água do Tâmega, que vai
Compondo versos de neblina
Às árvores, ao monte e à dura frágua...
Elegias d´orvalho à luz divina
E endechas de remanso e cantos de água...
E com ele, com o poeta dulcíssimo, com Teixeira de Pascoaes, detive-me na sua Amarante, a ver a entrada da noite, o olho de luz do Tâmega, sob o arco da ponte, e vi-o sob o céu nocturno:
Ó Tâmega obscuro, água dormente...
Ó rio, à noite, a arder todo estrelado!
Água meditativa ao luar nascente,
Água coberta de asas ao sol nado!
Sim, também o vi ao nascer o sol, coberto de asa de neblina. E este rio é todo ele poeta, rio também de águas refrescantes e musicais.
Miguel de Unamuno
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