Tavira Agosto de 1922
Muros muito brancos, de porta e janela, alguns com gelosias, que é a velha e a melhor maneira de manter as casas sempre frescas. A reixa deixa passar o ar e conserva a meia luz: dá intimidade aos interiores. Nas ruas não passa ninguém. Casas apalaçadas, tumulares.Telhados mouriscos, pontiagudos, de quatro águas, muito caiados, e as chaminés do sul, que lembram reduções de minaretes. Há-as rendilhadas; há-as com filigranas e flores. Outras mais pobres e mais simples, mas sempre aspirando para o céu de Alá. Entre elas e a Geralda a diferença é apenas de tamanho. Brancas, esguias, delicadas, com um pouco de imaginação povoa-se Tavira de torres onde o árabe faz a oração da manhã e da tarde. A alma do moiro está viva. Subjugada, persiste e sonha. Aspira. Perseguida, obstina-se. E para viver faz-se pequenina e contenta-se em deitar fumo...
Tavira é uma terra fechada, concentrada,de gente rica que arrecada o dinheiro do figo, da amêndoa e da alfarroba. Cada fruto destas árvores é um pingo de oiro. Que saudades eu tenho nesta terra neurasténica, da fedorenta Olhão! De Olhão, até o mau cheiro me cheira agora bem...E como compreendo a mudança de fisionomia dos homens e das coisas.. Tavira é uma terra de montanheiros, Olhão é uma terra de pescadores. O pescador é comunista e alegre, o montanheiro desconfiado e triste. No mar não há marcos...
Raul Brandão
Tavira Agosto de 2022
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