Chegando ao seu quarto, Jude descobre que se esqueceu de deixar o laptop a carregar. Entretanto desligaram o gerador. O computador tem apenas dois por cento de bateria. Sai do quarto e senta-se na varanda com um caderno e uma caneta Montblanc, oferta de John. À luz hesitante de uma vela, começa a escrever:
"Quando o construtor de castelos abriu os olhos continuava no mesmo lugar. Não saberia dizer há quanto tempo estava ali. Nem sequer saberia dizer se onde estava existia tempo. Os dias e as noites não se sucediam uns aos outros. Tão-pouco os bichos e as árvores se desenvolviam, ou os corpos envelheciam. O construtor de castelos fechava os olhos o tempo suficiente para que o capim crescesse e engolisse tudo, e quando os voltava a abrir encontrava o mundo igual. A farta e fresca sombra da mulemba, um perfume feliz, um rio correndo ao fundo e o seu lento rumor.
"Quando o construtor de castelos abriu os olhos continuava no mesmo lugar. Não saberia dizer há quanto tempo estava ali. Nem sequer saberia dizer se onde estava existia tempo. Os dias e as noites não se sucediam uns aos outros. Tão-pouco os bichos e as árvores se desenvolviam, ou os corpos envelheciam. O construtor de castelos fechava os olhos o tempo suficiente para que o capim crescesse e engolisse tudo, e quando os voltava a abrir encontrava o mundo igual. A farta e fresca sombra da mulemba, um perfume feliz, um rio correndo ao fundo e o seu lento rumor.
Por muito que caminhasse, e já caminhara muito, não conseguia abandonar a sombra da mulemba. O rio continuava colado ao horizonte, cintilante e mudo, como uma miragem. Só mudavam os visitantes.
Naquele momento, ao abrir os olhos, encontrou um menino parado diante dele.
- Quem és tu? - perguntou.
- Sou o menino que vendia amendoins - respondeu o menino. - E tu quem és?
(...) Fechou os olhos e logo foi substituído por um marinheiro de pernas cruzadas, costas muito direitas. Usava um brinco na orelha esquerda. Antes que conseguisse perguntar-lhe alguma coisa, o marinheiro estendeu a mão e apontou para o rio.
- Sabe o que falta ali?
O construtor de castelos encarou-o, surpreso.
- Onde? No rio?
- Sim, no rio.
- O que falta?
- Uma ponte!
- Uma ponte?
- Evidentemente, uma ponte. Como iremos atravessar para a outra margem?
O construtor de castelos não conseguiu disfarçar a irritação. Ergueu a voz.
- Nunca passaremos para a outra margem. não existe uma outra margem.
O marinheiro riu-se. Não havia maldade no riso dele.
- Claro que existe. Existe o rio, existe esta margem, onde nós estamos, e existe a outra. Todos os rios têm duas margens. Isso significa que temos de atravessá-lo e alcançar o lado de lá.
O construtor de castelos mostrou com um gesto fatigado a farta sombra que os cercava.
- A sombra desta mulemba é a nossa prisão. Não há como sair daqui.
- A sombra só é uma prisão quando nos impede de ver.
- O senhor acredita no inferno?
- Claro. É um território interior. Não se vai para o inferno, não se vai para o paraíso. Vamos é com eles para toda a parte. Há pessoas que expandem o inferno que trazem dentro de si. Noutras cresce-lhes um paraíso na cabeça. Muitas não chegam a desenvolver nenhum dos dois. Essas são as mais infelizes, porque nunca viveram (...)"
José Eduardo Agualusa
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