A minha pátria
é esta sala que dá para a varanda,
e é também a varanda com as suas flores
que vão e vêm meses fora, e eu vejo luminosas
mesmo quando se tornam cor
de vento triste
A minha pátria
é a toalha branca que me cobre, são os pratos
que sustento todos os dias, os braços
que se encostam a mim,
até a água onde quase me afoguei,
por culpa distraída da mão que no meu corpo
a colocou, mão insensata
esquecida de cuidar
Comecei por conhecê-la,
à minha pátria.
Quando era ainda a paisagem perfumada
das madeiras, irmãs de nascimento, a serração,
o ar coberto de minúsculos fios e pó
tão bem cheiroso, os dedos que depois me tomaram,
tábua larga, me afagaram
com plainas, o verniz, o brilho
tudo isso foi já a minha pátria: pradaria de insectos,
ventos brancos, a seiva viva que corria
nos meus veios, a água que eu bebia para sobreviver,
e que me protegia
Que a mão que agora aqui e sobre mim
se estende
se lembre desta inteira condição comum:
de reino igual viemos, para igual reino
vamos, ela e eu
os átomos que me formam e fizeram
podem ter sido os seus
Ana Luísa Amaral
Pintura de Di Cavalcanti
https://www.youtube.com/watch?v=pUlJ-3TuRnA
Nenhum comentário:
Postar um comentário