domingo, 21 de maio de 2023

Regresso


Poderia regressar vendada, triunfantes
a porta, a chave e como rodá-la, os meus encontros.
Aqui, o armário onde arrumei a primeira biblioteca
ali uma lição de círculos e de trópicos
a trajectória circular do meu Globo.

O que mudou mudou, o essencial ficou
inalterado - a secretária baixa, os cadernos
escritos com lápis da Viarco e uma borracha.
Por eles abri a porta a uma torrente inexplicável
feita de gente que nunca vi, nem conheci, mas
que fiz nascer e baptizei com nomes que trouxe
de cartórios ignorados e outros rostos(...)

Regresso a estes cantos e ponho as mãos 
nestes lugares como se esta casa fosse um clone
prévio do meu corpo, e só descanso quando me 
escondo entre os lençóis de linho em cuja superfície 
quando era moça deixava nódoas cor de vinho.

Aqui, tudo o que bate à janela,  como a chuva
desordenado e bruto, em escrito, não é produto
é uma chamada por alguém que está escondido
noutro mundo.

Lídia Jorge
Arte de Lourdes Castro

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