A minha rua na Margem Sul podia ser feia para os outros, mas era aí que eu encontrava o veterano da guerra colonial, era aí que estava o minimercado da D. Rosa, que tinha sempre à porta uma tigela de água para os pássaros. A tigela de água par os pássaros era mais bela do que o Grand Canyon e do que o rio Amazonas serpenteando ao longo da selva húmida. Era a dádiva que não se espera, que ninguém valoriza, mas que salva o mundo.
Estou sempre atento às miudezas. Aos pormenores. Imagino que o vento, assobiando nas ruínas de Machu Picchu, deva transportar um silêncio sublime, mas a beleza inesperada e miúda, irrompendo por todo o lado, prende a minha atenção. Contemplo. Vejo beleza em tudo. No banal, no rude e no grosseiro. Há beleza aos nossos pés. Há um pedaço de plástico amarelo roído que parece uma margarida. Nos dois milímetros que separam as pedras da calçada nascem ervas após a chuva. Pousa sobre os meus sapatos uma folha de árvore raiada de vermelho-sangue. Atraía-me o cabelo muito fino e branco de uma senhora que por vezes se cruzava comigo. Mais uma velha, coxeando apoiada numa bengala de madeira, com o castão trabalhado. Parecia a minha avó. Parava. Sorria. Cumprimentava-a. Os cães vinham pedir-lhe festas que ela não recusava. Tinha olhos muito azuis e doces. Alguns velhos ficam lindos.
Isabela Figueiredo
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