O vento, aqui, traz o cheiro da praia até à casa.
As estrelas pousam nos telhados devagar; às vezes caem
e assustam os cães que ladram e nos acordam de noite
em vez dos sonhos. Os dias têm mais horas, não sei porquê.
De manhã o pão vem morno e guarda o sabor da lenha que o cozeu.
Comemos em silêncio sobre uma toalha de quadrados azuis.
A louça é limpa, a água mata todas as sedes, o peixe respira
até chegar ao lume. E os dias têm mais horas, não sei porquê.
Trouxeram-me de longe para ver se te esquecia,
se me encantava com as crianças dos vizinhos que se enrolam
às nossas pernas como gatos mansos e não param de nos fazer
perguntas; se era capaz de consolar-me com o cheiro do barro
e do leite fresco que paira nas cozinhas; se aprendia
com o mar, que ao fim da tarde vem roubar algas
aos penhascos, para que estes se esqueçam dela para sempre.
Em vão, porém. Há tantas horas dentro destes dias...
Maria do Rosário Pedreira
Pintura de Frida Kahlo
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