segunda-feira, 27 de maio de 2024

No Porto - (1893)


Há pequenos burgos acastelados em Espanha e na Itália, de composição talvez mais fantástica, mas não têm a variedade que a vastidão do Porto oferece, nem um rio correndo entre muralhas de penedos afeiçoados à marrã por ciclopes, nem a proximidade do mar sempre agitado, que além de lhe alargar o horizonte humedece-lhe a atmosfera, repassando-a de tons de pérola mimosíssimos. Em certas manhãs os efeitos da neblina são incomparáveis; erguem-se muito mais alto os montes em que a cidade assenta; as igrejas, os edifícios públicos, tomam proporções colossais, dominados pela Sé, e pelo palácio episcopal que parece a ampliação do Vaticano; o movimento nas pontes é de monstruosos vultos; em baixo, no rio, os saveiros abrem caminho pela cerração, tripulados por gigantes; e os barcos "rabelos", com as suas formas estranhas, as arrogantes proas de combate, dir-se-ia saídos do espectaculoso cenário de alguma epopeia, ou conduzir o Lohengrino e o seu cortejo.
A torre dos Clérigos, recortada e enfeitada como um desmedido círio de fabulosa romaria, assoma ao cimo da rua íngreme, ameaçando despenhar-se por ela abaixo, entre os rolos da névoa que a enchem.
Mas tudo reveste incerto aspecto, aparências tão pouco sólidas, que em certos momentos quase se espera que uma rajada de vento arrase e desfaça para sempre aquele quimérico espectáculo...

Manuel Teixeira-Gomes
Aguarela de Júlio Resende

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