Percorro com o dedo, no mapa
do passado, as estações da vida. Passo pelas
do verão, onde entro na automotora que apita
a cada passagem de nível, afugentando
as aves e as raparigas de cabelos soltos
ao sol do meio-dia; saio nas do outono,
onde pergunto aos revisores de órbitas
vazias a que horas sai o comboio
do inverno; sento-me na carruagem
da frente do comboio a vapor, e vejo o fumo
sair em direcção aos céus que anunciam
a primavera. Mas não encontro a estação
certa, aquela em que via o louco, de pernas
enterradas no lodo da ria, discursar
aos peixes voadores; essa em que o chefe
da estação agitava a bandeira para os carris
vazios, esperando que algum amor perdido
na adolescência chegasse para o libertar
da campainha do telefone; aquela em que,
um dia, pudemos desembarcar, como
se fosse ali o destino desejado, sem primeiras,
segundas e terceiras classes. Hoje,
porém, vejo apagar-se esse mapa, e
a única estação é esta, em que ontem, hoje
e amanhã são, todos os dias, o dia
que amanhece nas minhas mãos, quando
procuro as estações da vida.
Nuno Júdice
Pintura mural - BIGOD
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