domingo, 1 de março de 2015

A magia de Lisboa



Às vezes tenho a impressão que surjo do que escrevi como uma serpente surge da sua pele. É muito possível que tenha algo de ofídio, ou seja de serpente. E acho que da cidade de Lisboa poder-se-ia dizer algo do género. Labiríntica, com miradouros que oferecem vistas extenuantes e com a eterna verdade vazia do seu céu, triste e cativante como nenhuma, Lisboa é airosa no seu serpentear, é uma cidade que às vezes parece surgir como uma serpente surge da sua pele. Agarra o visitante, agarrou Mayol. Pelo que pude saber, Mayol bem depressa teve consciência da condição de ofídio de Lisboa, a cidade branca para alguns, a cidade azul-atlântico para mim.
Mayol soube descobrir muito depressa essa condição de ofídio de Lisboa, descobriu-a com a mesma simplicidade de outros viajantes que, recém-chegados à cidade, descobriram a sua essência ao ouvir os gemidos roucos de um fado num rádio distante. As pessoas que viajam sós têm um sexto sentido, uma espécie de facilidade ou capacidade de percepção muito superior à das que viajam acompanhadas e a todo o instante estão a falar como araras e não se fixam em nada, incapazes de captar pormenores como o que Mayol apanhou no ar, poucas horas depois de chegar a Lisboa, na igreja do Mosteiro dos Jerónimos, onde descobriu gravadas no coro, nas suas duas grandes colunas, as formas sinuosamente mágicas de duas serpentes, decidindo relacioná-las imediatamente com a cidade. Relacionou-as de uma forma primária mas profundamente intuitiva, e o facto é que soube estabelecer a relação, que é o que, no fim de contas, importa realmente.
Mayol relacionou a serpente com Lisboa porque sempre ouvira dizer que as mulheres eram como serpentes e também porque sempre lhe parecera que era verdade isso  de as cidades  serem mulheres e cada uma ter a sua maneira de agradar. E Mayol tinha gostado de Lisboa desde o momento em que pisou as ruas da Baixa e foi até ao Cais do Sodré; agradou-lhe a cidade, sobretudo porque se sentiu apanhado pela estranha sensação de ter passado toda a vida naquelas ruas, de ter estado sempre ali.

Nenhum comentário:

Postar um comentário