Mayol soube descobrir muito depressa essa condição de ofídio de Lisboa, descobriu-a com a mesma simplicidade de outros viajantes que, recém-chegados à cidade, descobriram a sua essência ao ouvir os gemidos roucos de um fado num rádio distante. As pessoas que viajam sós têm um sexto sentido, uma espécie de facilidade ou capacidade de percepção muito superior à das que viajam acompanhadas e a todo o instante estão a falar como araras e não se fixam em nada, incapazes de captar pormenores como o que Mayol apanhou no ar, poucas horas depois de chegar a Lisboa, na igreja do Mosteiro dos Jerónimos, onde descobriu gravadas no coro, nas suas duas grandes colunas, as formas sinuosamente mágicas de duas serpentes, decidindo relacioná-las imediatamente com a cidade. Relacionou-as de uma forma primária mas profundamente intuitiva, e o facto é que soube estabelecer a relação, que é o que, no fim de contas, importa realmente.
Mayol relacionou a serpente com Lisboa porque sempre ouvira dizer que as mulheres eram como serpentes e também porque sempre lhe parecera que era verdade isso de as cidades serem mulheres e cada uma ter a sua maneira de agradar. E Mayol tinha gostado de Lisboa desde o momento em que pisou as ruas da Baixa e foi até ao Cais do Sodré; agradou-lhe a cidade, sobretudo porque se sentiu apanhado pela estranha sensação de ter passado toda a vida naquelas ruas, de ter estado sempre ali.
Nenhum comentário:
Postar um comentário