Sempre pensei em florestas como se elas fossem
seres sobrenaturais, na extensão das reservas de oxigénio
e gargalhadas minúsculas, de luzes e trovões,
no seu peso de mistérios voadores
e de fadas,
nas cupuladas abóbadas vegetais
onde guinchavam os bichos.
Floresta era para mim uma pedagogia orgânica,
sagrada, herdada de magos
e feiticeiras da escrita,
negra ou imersa no verde absoluto,
germânica ou imensamente amazónica
por anacronia.
No campo onde eu cresci o campo foi sempre um campo
meio aberto ao vento e à falta de memória.
As altas estacas pernaltíssimas, esse pinheiro bravo,
desengonçado e tão pobre de copas e pinhões,
deixavam-no esquecido a medrar gerações
atrás de gerações.
Por que não, por fim, essa floresta?
Irei talvez voltar a chorar vegetalmente,
resignar-me-ei à resina do pinho
coalhada nos meus olhos, e entre sombras de sonhos inverosímeis,
acariciarei algum anão matreiro
oculto na floresta mansa dos pinheiros bravios,
e respirarei o cheiro do eucalipto astuto
para me alisar os nervos encrespados
pela inquietação do mar.
Armando Silva Carvalho
(pintura de Pedro Cabrita Reis)
https://www.youtube.com/watch?v=sgNeH9_8l0w
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