Este era o meu jardim de infância, já muito misterioso e que só eu conhecia. Para os outros seria um bocado de terra com meia dúzia de árvores, uns canteiros esboroando-se aos poucos, um tanque de água suja e um muro de sobre o qual se avistava uma lonjura de planície sem fim e uma montanha distante que no inverno se cobria de neve. Mas ninguém, decerto, poderia adivinhar a minha vida naquele jardim, os sítios escusos onde me escondia, os troncos velhos onde marcava sinais e o chão fofo de folhagem onde me deitava planeando viagens ao fim do mundo; aonde vinha recolher-me em momentos de imperioso isolamento jurando ser melhor e prometendo a mim mesmo transformar o mundo e fazê-lo regressar ao ideal que eu sonhava.
Agora, vê-lo de novo à luz de uma manhã clara, com uma brisa suave desviando as folhagens dos raios de sol, depois de não sei quanto tempo de ausência, era um regressar de recordações e de ternuras que me faziam ficar ali, encostado à porta, aspirando o cheiro da seiva que das plantas descia à terra e se evolava em fluido no ar, e me faziam meditar numa época imensamente querida que eu via fugir e da qual nunca poderia separar-me. Tudo no jardim chamava por mim: as rosas de todo o ano, as sebes de pitosporos, a relva espigada dos canteiros...até aquele passarito que me acordava. E eu, a tudo queria e amava.
Ruy Cinatti
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