O universo (a que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no meio, cercados por parapeitos baixíssimos. De qualquer hexágono vêem-se os pisos inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte estantes, a cinco longas estantes por lado, cobrem todos os lados menos dois; a sua altura, que é a dos pisos, mal excede a de um bibliotecário normal. Uma das faces livres dá para um estreito saguão, que vai desembocar noutra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do saguão há dois gabinetes minúsculos. Um permite dormir de pé; o outro, satisfazer as necessidades finais.
Há quinhentos anos o chefe de um hexágono superior deu com um livro tão confuso como os outros, mas que tinha quase duas folhas de linhas homogéneas. Mostrou o seu achado a um decifrador ambulante, que lhe disse que estavam escritas em português; outros disseram-lhe que era iídiche. Em menos de um século conseguiu-se estabelecer o idioma: um dialecto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico. Também se decifrou o conteúdo: noções de análise combinatória, ilustradas por exemplos de variações com repetição ilimitada. Também acrescentou um facto que todos os viajantes têm confirmado: Não há, na vasta Biblioteca, dois livros idênticos. Destas premissas incontroversas deduziu que a Biblioteca é total e que as suas estantes registam todas as possíveis combinações dos vinte e tal símbolos ortográficos (número, embora vastíssimo, não infinito) ou seja, tudo o que nos é dado exprimir: em todos os idiomas. Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico da tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpolações de cada livro em todos os livros. o tratado que Beda pode ter escrito (e não escreveu) sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito.
Jorge Luis Borges
http://www.youtube.com/watch?v=w4xx7DeKdLU
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