À hora do jantar, feitas as pazes com Deolinda, que o prazer de a ver levara-o, logo que ela aparecera, a tudo lhe perdoar, Manuel da Bouça não se conteve mais e perguntou-lhe:
- Olha cá: de quem é aquela casa nova nos Salgueiros?
- Olha cá: de quem é aquela casa nova nos Salgueiros?
- A casa nova? É do Nunes.
- Do Nunes?
- Sim, do Nunes da Agência. Do que vendeu a passagem e o passaporte ao pai...
- Ah! - E à admiração sucederam ideias vagas, vagos pressentimentos, mal formuladas hipóteses. - Do Nunes... Mas, então, ele está rico?
- Muito! Toda a gente deu em sair da terra e ele não tinha mãos a medir. Era em Cambra, era em Oliveira e até por aí andou um empregado dele a saber quem queria ir para o Brasil ou para a América. Correu que ele não era homem sério e até foi preso por causa de uns fulanos de Castelões que mandou sem papéis. Iam primeiro para Espanha e depois para a América, mas descobriu-se tudo. Diz-se que deu dinheiro à justiça para se livrar; não sei se é certo ou se não é; mas, lá que ele esteve preso pouco tempo, isso é verdade, porque uma semana depois de eu saber do acontecido vi-o passar no automóvel para Cambra.
- E já há muito tempo que ele tem a casa?
- Vai para três anos. Vem aqui passar o Verão, para fazer caçadas na Felgueira e pescar no rio. Traz sempre muitos criados, automóvel e tudo. Consta que é a maior fortuna que se tem feito por cá nos últimos tempos. A mim ninguém me tira da cabeça que ele tinha combinações com o Carrazedas para tirar as terras aos pobres.
- An? Que dizes?
- Toda a gente o diz à boca pequena. Não viu o pai o que aconteceu às nossas courelas?
Bateram à porta. A vizinhança, regressada pos campos, ao saber da grande nova, acorria a saudar Manuel da Bouça. Parabéns deste, parabéns daquele, Manuel da Bouça sorria e agradecia enlevadamente.
Respeitosos, servis, todos se quedavam em palreira, pergunta da esquerda, pergunta da direita e, de quando em quando, uma hábil referência à fortuna que ele conseguira ganhar.
Lisonjeado, Manuel da Bouça não tinha coragem pars negar os bens que lhe atribuíam.
- Não é tanto assim...Não é tanto assim...Fez-se o que se pôde...
Sentia que a verdade quebraria a vitória daquele momento, lançando no ambiente de adulação um silêncio incómodo - amesquinhando-o, envergonhando-o. Súbita cobardia amarrava-o à mentira, perante os olhos ávidos dos vizinhos, daqueles velhos conhecidos, que o desprezariam se conhecessem a verdade.
Ferreira de Castro
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