quarta-feira, 20 de julho de 2022

A Serra da Arrábida









A Serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de pedra e mato, é o fóssil de uma onda. Ri-se do mar de agora, gaivota mansinha, profundamente azul, que faz avultar, com a planície que lhe fica à esquerda, o seu dorso gigantesco.

E seguimos; e à maravilha segue a maravilha: agora começa-se a descer a Estrada do Professor Gentil, três quilómetros que nos levam ao Portinho. 

Que pena não poder durar mais tempo esta nossa paragem! É que aqui é o ponto mais belo que até agora encontrámos: em nossa frente ergue-se, piramidal, o Monte do Guincho, onde a Mata do Solitário nasceu e vingou. Os pássaros cantam a liberdade dos bosques. E nós baixamos até ao Portinho, onde havemos de almoçar. Uma baía que abraça amorosissimamente um mar estático... Uma fortaleza mandada construir por D. Pedro II para defesa da costa (piratas que gostariam de passar aqui o seu fim-de-semana) e que é hoje a Estalagem de Santa Maria... Mato a nascer ao rés das ondas dir-se-ia que tem a raiz na água salgada... Uma luz que fere a vista, mas de que a vista se enamora, a vestir as coisas todas de um brilho que não é deste mundo... Gaivotas que não são sinal de temporal - são antes as pombas de uma paz única e primitiva... Todo o Portinho (que poeta lhe pôs este nome?) a ser um cais sobre a Poesia, uma janela que dá para a Beleza... Sabe-nos bem estarmos vivos.

Mas não deixemos de ver a Lapa de Santa Margarida - uma gruta enorme que o mar enche com a sua voz sagrada. Humildemente escondida na sombra, uma capelinha tosca onde por vezes se reza missa.

Depois Alportuche, uma pequenina praia a que nos conduz uma alameda de eucaliptos. E se tomarmos um bote poderemos ainda visitar a Praia dos Coelhos e a de Galapos. 

Chegou a hora da partida.  Passamos a dois passos da Mata Coberta... Um minuto mais e aparece o Convento. Ali se concentra a religiosidade esparsa pela Serra; parece que é ali a fonte mística, quando o contrário é o que afinal acontece; ali desemboca, vindo de todos os cantos, trazido por todos os ventos, o espírito que dá à Serra da Arrábida elevação e sentido. Ali é que se apercebe com nitidez a Arrábida mais verdadeira, que não é a Arrábida dos banhos, nem a Arrábida das caldeiradas, nem a Arrábida das romarias encantadoramente pagãs, nem sequer a Arrábida do turismo; é o que aquelas paredes contam...

Sebastião da Gama (texto com supressões)

https://www.youtube.com/watch?v=8ZEHtt_5Ja4



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