Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer.
- Levanta, ó dono das preguiças.
É o mando de minha vizinha, a mulata Dona Luarmina.
- Preguiçoso? Eu ando é a embranquecer as palmas das mãos.
- Conversa de malandro...
- Sabe uma coisa, Dona Luarmina? O trabalho é que escureceu o pobre do preto. E, afora isso, eu só presto é para viver...
Ela ri com aquele modo apagado dela. A gorda Luarmina sorri só para dar rosto à tristeza.
- Mas você, Zeca: é que nem faz ideia da vida.
- A vida, Dona Luarmina?A vida é tão simples que ninguém a entende. É como dizia meu avô Celestiano sobre pensarmos Deus ou não-Deus...
Além disso, pensar traz muita pedra e pouco caminho. Por isso eu, um reformado do mar, o que me resta fazer? Dispensado de pescar, me dispenso de pensar. Aprendi nos muitos anos de pescaria: o tempo anda por ondas. A gente tem é que ficar levezinho e sempre apanha boleia numa dessas ondeações.
- Não é verdade, Dona Luarmina? A senhora sabe essas línguas da nossa gente. Me diga, minha dona: qual é a palavra para dizer futuro?
Sim, como se diz futuro? Não se diz, na língua deste lugar de África. Sim, porque futuro é uma coisa que existindo nunca chega a haver. Então eu me suficiento do actual presente. E basta.
Mia Couto
Arte de Malangatana
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