quinta-feira, 7 de outubro de 2010

As mais-velhas


Nunca sabem a idade, porque nasceram antes do tempo das sementes, num qualquer ano da praga dos gafanhotos ou da epidemia da varíola(...) Crescem sob o signo das sobreviventes, com a testa marcada pela estrela em brasa das vacas eleitas para serem mães, mulheres, irmãs(...)
Por vezes e sem que se note muito param, entre o dia e a noite, um momento, para passar, em forma de história, provérbio ou adivinha, as fórmulas de sobrevivência, lições de parentesco, lugares de culto, os nomes do caminho. São livros de marinharia que trazem escritos dentro da memória e, em segredo, libertam do esquecimento(...)
Todos os seus dias parecem iguais e, no entanto, desfilam apressados entre a seiva das palavras e a multiplicação dos gestos necessários ao governo do tempo, à transformação do leite, às curas da alma em crescimento.
Ainda têm tempo para descobrir no bosque os cogumelos solares que secam, carne vegetal que se armazena para os anos de crise. Deixam de ter nomes a certa altura. Passam a ser avós de toda a gente ou as nossas mais-velhas, forma eficaz de apaziguar a culpa.

Ana Paula Tavares
http://www.youtube.com/watch?v=y9G34NRgnxQ

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